Moradora de Sorocaba viveu o drama do afundamento em Maceió
Ela, a mãe e os avós maternos estão entre os cerca de 40 mil moradores da cidade nordestina realocados por conta da situação
“Até hoje, eu tenho sonhos com aquela casa, era muito bom morar lá”. Os mais de 20 anos em que a dentista Gabriella Marinho Buriti, de 26 anos, morou com a família em uma residência no bairro Pinheiro, em Maceió, capital de Alagoas, viraram apenas lembranças. Ela, a mãe e os avós maternos estão entre os cerca de 40 mil moradores da cidade nordestina realocados por conta do afundamento do solo em áreas onde há minas da petroquímica Braskem. O deslocamento ocorre em razão da extração em massa de sal-gema (minério obtido de rochas). Morando em Sorocaba desde 2021, para trabalhar e estudar, a jovem se sente triste, indignada e revoltada com a situação. O problema afeta cinco bairros nos arredores da lagoa do Mundaú, região onde ficam as minas da empresa -- Bebedouro, Bom Prato, Farol, Mutange e Pinheiro.
O Mutange é o bairro mais prejudicado atualmente, pois parte do solo da mina 18 desabou no domingo (10) e o restante continua em constante movimentação. Já o Pinheiro -- onde Gabriella viveu, desde o nascimento até os 22 anos, no imóvel de número 1 da Travessa da Lira -- foi o primeiro a enfrentar problemas. A vida da alagoana lá costumava ser tranquila, até começarem a aparecer as adversidades, em março de 2018. Na ocasião, moradores sentiram um tremor de terra. Segundo ela, inicialmente, a situação não parecia grave. Porém, no início de 2019, rachaduras começaram a surgir nas casas e vias.
Na residência da jovem, a primeira fenda apareceu em muro do lado externo. Dali em diante, a quantidade só aumentou. “Um, dois meses depois, começou a abrir rachaduras na casa inteira e a aumentar os tamanhos”, relembra. Devido ao cenário, agentes da Defesa Civil passaram a monitorar o imóvel. Como as fissuras não paravam de crescer, em maio daquele mesmo ano a família teve de deixar a residência às pressas, por orientação do órgão.
De acordo com Gabriella, em um primeiro momento, o medo tomou conta de todos, em razão dos riscos de desabamento ou outros incidentes. Passado o susto inicial, a apreensão deu lugar à tristeza por conta da mudança.“Foi muito triste, porque era uma casa muito grande, dos meus avós. Fazia muitos anos que eles moravam lá”, disse. Segundo ela, justamente por isso, os avós foram os que mais sofreram com a medida. “Os idosos são mais apegados ao local, aos móveis, a tudo da casa. Para eles, foi um processo muito doloroso a aceitação e, principalmente, depois, a adaptação”.
A princípio, a família recebeu da Braskem o chamado aluguel social e alugou um apartamento. No entanto, conforme a dentista, o benefício era insuficiente para pagar o valor integral da moradia. Com isso, durante dois anos, ela e os familiares tiveram de arcar com parte da locação. “Se dependêssemos do valor do aluguel social, não teríamos conseguido alugar”, falou.
Posteriormente, em 2021, a petroquímica liberou a indenização. Com o dinheiro, os Marinho conseguiram comprar um apartamento de padrão inferior ao da antiga residência. Segundo Gabriella, embora tenha um novo endereço, a família sempre vai conviver com a tristeza por ter precisado abandonar não somente o imóvel, mas também parte da sua história. Ainda mais por uma razão que poderia ter sido evitada. “Nenhum dinheiro no mundo vai pagar o (fato) de a gente ter que sair do nosso local, da forma que foi”, desabafou. “É revoltante saber que tudo isso acontecia há anos e (a empresa) não foi parada”.
40 mil realocados
Segundo a Braskem, nos últimos quatro anos, aproximadamente 40 mil pessoas foram realocadas dos cinco bairros afetados. Na semana passada, os últimos 23 imóveis ocupados foram desocupados pela Defesa Civil, por determinação judicial. Com isso, 100% da área de risco encontra-se vazia.
A petroquímica informa que, desde 2019, tanto as famílias, quanto os comerciantes passaram a ser atendidos pelo Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF). “O programa foi criado pela empresa para promover a segurança dos moradores dos bairros afetados pela subsidência, garantindo que pudessem ser realocados preventivamente e indenizados, no menor tempo possível”, informa a empresa, em nota.
Até o fim de outubro, a iniciativa apresentou 19.085 propostas de compensação financeiras, o equivalente a 99,8% de todas os acordos previstos. Do total, 18.533 foram aceitas, segundo a indústria. “A diferença entre o número de propostas apresentadas e aceitas se deve ao tempo que as famílias têm para avaliar ou pedir reanálise dos valores”, esclarece. Também até outubro, 17.828 indenizações foram pagas, 93,2% do total esperado. Somadas aos auxílios financeiros, o valor passa de R$ 3,85 bilhões, informa a nota.
Mina 18
Em relação à mina 18, a Braskem afirma que um sistema de monitoramento acompanha a movimentação do solo registrada nos últimos dias. Os dados são compartilhados, em tempo real, com as autoridades. As informações, acrescenta a empresa, permitem tomar medidas preventivas quanto à possibilidade de afundamento abrupto do solo.
Extração de sal-gema
A extração de sal-gema em Maceió foi totalmente encerrada em maio de 2019. A Braskem assegura estar adotando medidas para o fechamento definitivo de todos poços de sal na capital alagoana. Para tanto, segue plano apresentado às autoridades e aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM). “Esse plano registra 70% de avanço nas ações, e a conclusão dos trabalhos está prevista para meados de 2025”, detalha.
No caso da mina 18, devido ao deslocamento do solo, as atividades de fechamento dos poços foram paralisadas em 28 de novembro. A região está isolada.
Degradação começou há 5 anos, com rachaduras e fendas
O caso Braskem veio à tona a partir do tremor de terra de 2018, no bairro Pinheiro, onde a dentista Gabriella morava. Lá, além de sentir o abalo sísmico, moradores começaram a notar o aparecimento de rachaduras nos imóveis, fendas nas ruas, afundamento do solo e surgimento de crateras sem causa aparente.
Conforme o Ministério Público Federal (MPF), residentes contaram que, depois de um forte temporal ocorrido em fevereiro daquele ano, danos estruturais já frequentes no bairro se agravaram. Semanas após a tempestade, houve o tremor. Inicialmente, acreditava-se nas hipóteses de acomodação do solo (afundamento) ou de que a antiga estrutura de esgotamento sanitário poderiam ser a causa dos problemas na superfície.
Posteriormente, também em 2018, foram identificados estragos semelhantes em casas e ruas dos bairros Bebedouro, Bom Prato, Farol e Mutange. Todos eles ficam na região da lagoa do Mundaú, onde estão localizadas as minas da Braskem.
Diante da situação, o Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM) iniciou pesquisas no solo dos locais atingidos, para descobrir as causas do temor. Ao todo, 52 pesquisadores atuaram diretamente nos estudos. De acordo com o MPF, durante os trabalhos, a equipe descartou a possibilidade de um fenômeno geológico natural e detectou que a extração mineral de sal-gema, pela petroquímica, fora o motivo dos problemas. A conclusão saiu um ano após o abalo. “Na ocasião, o fenômeno foi classificado como subsidência, ou seja, um rebaixamento da superfície do terreno devido às alterações ocorridas no suporte subterrâneo”, explica o órgão.
Em novembro de 2023, o cenário piorou no Mutange, devido ao deslocamento gradativo do solo na mina 18, culminando na ruptura de parte do chão no domingo (10). Além disso, desde 2018, diversos outros abalos sísmicos vêm sendo registrados em Maceió.
Mineração
A extração de sal-gema na região da lagoa Mundaú ocorre desde a década de 1970, segundo o MPF. Até a liberação do laudo do SGB/CPRM com a causa do tremor, havia 35 poços de extração na área urbana na capital alagoana, informa a instituição. “Os poços estavam pressurizados e vedados, no entanto, a instabilidade das crateras causou os danos ao solo, visíveis na superfície”, esclarece.
Conforme o MPF, os cientistas responsáveis pelos estudos afirmam que o abalo de 2018 aconteceu devido ao desmoronamento de uma das minas. De acordo com o engenheiro ambiental e professor da Universidade de Sorocaba (Uniso) Renan Angrizani de Oliveira, de 32 anos, o desmoronamento se dá devido à extração massiva de material. Consequentemente, esse movimento do solo ocasiona abalos sísmicos. Doutor em ciências ambientais, ele faz uma analogia para elucidar a situação. “Imagine que você decide fazer um subsolo embaixo da sua casa. Quando você vai retirando a terra que está embaixo da casa, dependendo daquilo que está em cima, pode vir a ceder”. (Vinicius Camargo)