Crianças nascidas mortas podem ter nome registrado

A possibilidade de registrar o nome de crianças natimortas teve início em 2013, em São Paulo; Atualmente, lei está disponível em todo o País

Por Vanessa Ferranti

Norma publicada em novembro pela Corregedoria Nacional de Justiça permite que os pais registrem natimortos com nome completo em todos os Cartórios do País

 “Abre-se um buraco; a gente cai bem fundo!” Assim, a professora Perla Frangioti, de 41 anos, define o sentimento após a morte da filha durante a gestação. A bebê Heloísa nasceu em “silêncio” -- como ressalta a mãe -- há cerca de 6 anos. A gravidez ocorreu bem e a criança estava saudável. No entanto, com 36 semanas e seis dias (9 meses) de gestação, a bebê parou de se mexer. O óbito foi constatado pela equipe médica, ainda na barriga da mãe.

Depois do parto, realizado por meio de uma cesárea, Perla sofreu alguns bloqueios e não se lembra exatamente de todo o momento. Mas se recorda de ter perguntado aos médicos se poderia ter o nome da filha -- escolhido pela irmã mais velha -- na certidão de natimorto. “Sai do hospital para registra-la no cartório. E podia!”, conta Perla, explicando que “a questão do nome é muito forte, porque é a questão da identidade, o reconhecimento de que eles são nossos filhos. Não do jeito que a gente sonhou, não do jeito que a gente gostaria, mas é a história deles. Cada filho tem a sua história e ter o nome é muito importante”.

A possibilidade de registrar o nome de crianças natimortas teve início em 2013, em São Paulo. No entanto, mesmo com a permissão, a informação era pouco divulgada. Neste ano, a lei passou a valer em todo o Brasil. Uma norma recém-publicada pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), permite que os pais de crianças natimortas possam lhes dar um nome, padronizando nacionalmente um procedimento já regulado em cartórios de Registro Civil de alguns estados.

Para dar nome ao bebê é necessário procurar um cartório. O registro de natimorto, assim como os de nascimento e óbito, são gratuitos para toda a população. No entanto, para fazer o registro do nome do bebê que nasceu sem vida é necessário pagar uma taxa. O valor varia de município para município, custando entre R$ 172,90 e 178,62.

A denominação segue as mesmas regras válidas para pessoas nascidas vivas, com prenome e sobrenome escolhidos pelos pais.

Estatísticas

De acordo com dados fornecidos pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), anualmente, cerca de 3,5 mil crianças nascem mortas no Estado. Em Sorocaba, desde 2020, esse número é de 69 bebês.

Vendo a dor dos pais, que muitas vezes não podiam sequer dar nome ao filho, a registradora civil Mariana Undiciatti Barbieri Santos, da cidade de Itápolis (SP), decidiu utilizar o tema em uma pesquisa para o seu trabalho de pós-graduação.

Durante o estudo, a profissional constatou que a inclusão não traria prejuízo e estabelecia laços entre o bebê e a mãe. A pesquisa foi aceita pela banca de professores da faculdade onde Mariana estudava na época. O projeto da registradora civil também foi encaminhado como sugestão à corregedoria de Justiça do Estado de São Paulo.

“Durante esse estudo eu conversei com algumas famílias que lamentavam por não colocar (o nome na certidão). Também desenvolvemos um artigo sugerindo que os cartórios pudessem incluir o nome retroativamente, para aqueles natimortos que já haviam sido registrados anteriormente, mas não estavam com nome. Por meio de um procedimento administrativo de retificação, a família optava por incluir e o cartório tinha essa atribuição”, contou Mariana.

Posteriormente, alguns projetos de lei foram apresentados por parlamentares, mas não obtiveram aprovação. Atualmente, a norma é válida para todos os Estados.

Transformação

Cinco meses depois de perder a filha, Perla Frangioti, ao lado da doula Cristiane Tarcinalli Moretto Raquieli, criou, em Araraquara (SP), o Transformação, um grupo de apoio à perda gestacional e neonatal. Tudo começou quando a professora participou de uma roda de conversa sobre o tema, em Ribeirão Preto. Ao ouvir os relatos, sentiu a necessidade de fazer o mesmo onde morava. “A primeira família que falou na roda conseguiu colocar em palavras tudo o que eu tentava explicar para as pessoas e não tinha conseguido. Foi uma coisa muita mágica”, conta.

No início, o Transformação tinha por objetivos o acolhimento e a sensibilização da sociedade. Atualmente, além do acolhimento, a iniciativa passa informações aos pais que perderam um filho sobre os seus direitos perante a lei, orientam profissionais da saúde e realizam diversos projetos sobre o tema.

“Trabalhamos com a doação de polvos de crochê para UTIs neonatais -- é uma das maneiras de ressignificar essa dor. Esses polvinhos também são usados pelas maternidades, como parte da caixinha de memórias que é dada às famílias quando um bebê morre”, explicou a professora. O grupo tem outras ações, como o plantio de árvores em homenagens aos filhos.

As reuniões acontecem presencialmente em residências de integrantes do grupo, praças e parques da cidade. Também há encontros online. Outras informações sobre o projeto estão disponíveis no Instagram do Transformação: @transformaçãoararaquara. (Vanessa Ferranti)