Corte Interamericana condena Brasil por mortes na Operação Castelinho
Caso ocorreu em março de 2002 quando uma ação da PM matou 12 pessoas
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH), com sede na Costa Rica, condenou o Brasil por entender que o Estado foi responsável pela morte de 12 pessoas, ocasionadas pela Polícia Militar, durante a Operação Castelinho, em Itu, em março de 2002. A decisão foi divulgada ontem (14). Segundo o órgão, além das graves falhas durante os processos judiciais, o ato resultou na violação dos direitos à vida, à proteção judicial, à verdade, além da integridade pessoal das pessoas executadas e seus familiares. As vítimas eram supostos membros do Primeiro Comando da Capital (PCC). O jornal Cruzeiro do Sul acompanhou todo o caso.
A operação ocorreu no dia 5 de março de 2002, na rodovia Senador José Ermírio de Moraes, a Castelinho (SP-075). Na época, policiais que faziam parte do Grupo de Repressão e Análise dos Direitos de Intolerância (Gradi), criado em 2000, se infiltraram na organização criminosa para armar uma emboscada. O grupo de suspeitos foi convidado a fazer o roubo de um avião que pousaria no aeroporto de Sorocaba, com supostamente R$ 28 milhões. Esse, no entanto, seria um plano montado para atrai-los até a rodovia, em grande operação policial.
Para a execução do plano, foram roubados dois veículos nos dias anteriores. Os suspeitos do PCC embarcaram em um ônibus, um dos veículos roubados ficou parado logo após o pedágio da Castelinho. Dessa forma, a ação foi executada. Por volta das 7h30, quando o ônibus do comboio chegou ao pedágio, os agentes de polícia interromperam o trânsito, rodearam o comboio e dispararam durante aproximadamente dez minutos.
O caso foi investigado pelas polícias Civil e Militar. A investigação da PM foi arquivada em janeiro de 2004. Quanto à investigação da Polícia Civil, o Ministério Público apresentou uma denúncia penal contra 55 pessoas, com a imputação de doze crimes de homicídio qualificado. Em novembro de 2014, eles foram absolvidos.
Análise
Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH), o órgão constatou que o avião de transporte do dinheiro foi uma mentira criada pelo Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância (Gradi) para motivar o roubo. O Tribunal ressalta, também, que não houve troca de tiros entre os policiais e as pessoas mortas, uma vez que a maior parte das provas indica que as vítimas não estavam armadas no momento da morte.
Além disso, foi verificado que os trabalhos investigativos iniciais no local dos fatos foram realizados exclusivamente pela Polícia Militar, órgão ao qual pertenciam os agentes que estiveram envolvidos na execução e que, portanto, não possuíam as garantias de independência e imparcialidade necessárias para realizar as apurações.
Ainda conforme o Tribunal, omissões no levantamento de evidências indispensáveis para o caso resultaram em consequências negativas para todo o processo penal, assim como a alteração da cena do crime. Com isso, a Corte concluiu “que as autoridades policiais e judiciais buscavam impedir a investigação dos fatos e procurar que a execução extrajudicial de 12 pessoas no contexto de uma operação policial permaneceria em absoluta impunidade”. A demora para conclusão do julgamento também foi destacado pelo órgão.
Em nota, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) informou que a questão será tratada pela Unidade de Monitoramento e Fiscalização de Decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos do Tribunal para o devido cumprimento.
Medidas
Com base nessas constatações, a Corte IDH ordenou diversas medidas de reparação ao Brasil sobre o caso. Uma delas é a criação de grupo de trabalho com a finalidade de esclarecer a atuação do Gradi no Estado de São Paulo, incluindo as circunstâncias da morte das vítimas diretas do caso e realizar recomendações que previnam a repetição de fatos como esse.
Também foi definido que o País deve oferecer tratamento médico, psicológico e/ou psiquiátrico aos familiares. Será necessário, ainda, realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional, e adotar as medidas necessárias para garantir a plena implementação de dispositivos de geolocalização e registro de movimentos dos veículos policiais e dos policiais no Estado de São Paulo;
A Corte ordena, também, a adoção de medidas para que se conte com um marco normativo que permita que todo agente policial envolvido em uma morte resultante de uma ação policial seja separado temporariamente de suas funções ostensivas até que se determine a conveniência e pertinência de sua reincorporação por parte das corregedorias; deve-se ainda adotar as medidas necessárias para retirar a competência da Polícia Militar de investigar delitos supostamente cometidos contra civis; garantir que o Ministério Público do Estado de São Paulo conte com recursos econômicos e humanos necessários para investigar as mortes de civis cometidas por policiais, tanto civis como militares, e pagar as quantias fixadas na sentença a título de dano material, imaterial, custas e gastos.
Sobre a decisão, o Cruzeiro do Sul questionou o Governo Federal e a Secretária de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
O Brasil também foi condenado, igualmente pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH), da Costa Rica, pela morte de Antonio Tavares Pereira, membro do Movimento Sem Terra (MST), em Campo Largo, no Paraná. O caso aconteceu em 2000. (Vanessa Ferranti com informações da Corte IDH)