Conteúdos veiculados no TikTok podem ser prejudiciais, dizem especialistas

Por Beatriz Falcão

Rede social ocupa atualmente a 6ª posição entre as mais utilizadas

A plataforma de criação de conteúdos digitais TikTok se tornou muito conhecida pelas famosas “dancinhas”. Desde o lançamento, em 2016, a rede social alcançou 5,7 bilhões de downloads. No ano passado, contabilizou mais de 1,5 bilhão de usuários ativos por dia. Com a sua ascensão, o aplicativo deixou de ser apenas entretenimento e se tornou uma vantagem mercadológica, um espaço para profissionais promoverem e compartilharem conteúdos sobre seus trabalhos.

Um dos nichos mais populares no TikTok é o de psicologia — são mais de 2,2 milhões de conteúdos publicados com a hashtag. A oportunidade de falar abertamente sobre saúde mental é, sem dúvida, uma grande vantagem que a rede proporciona. No entanto, é preciso ter responsabilidade. Vídeos como “sinais que você está em um relacionamento tóxico”, “indícios de que você tem ansiedade”, ou até mesmo outros transtornos, estão incentivando o autodiagnóstico entre os usuários, dizem os especialistas.

Tanto que esse fenômeno de desinformação foi apelidado de “Tiktokzação” e vem influenciando muitas pessoas, principalmente jovens da geração Z, o principal público do aplicativo.

A psicóloga Juliana Rosado de Alencar, de 41 anos, já presenciou situações de autodiagnóstico em seu consultório e afirma que é um cenário mais comum do que imaginamos. “Esses conteúdos, muitas das vezes, são feitos de forma generalizada, portanto, é muito fácil se identificar”, explica a profissional. “E quando a pessoa está sentindo determinada dor e se enxerga no contexto do vídeo, é normal pegar aquela informação como verdade e trazendo para a sua vida”, explica.

A social media Livian de Oliveira Regaçoni, de 20 anos, já acreditou que a dificuldade em expressar suas emoções advém da infância, por ter sido a criança “boazinha”, que não dava trabalho para os pais e não falava sobre seus problemas e sentimentos. “Eu me autodiagnostiquei com base em um vídeo de um minuto e meio de uma pessoa que não conheço e muito menos sei sobre sua procedência profissional”, relata a jovem. “Nesse dia, eu peguei aquela informação para mim, pois me identifiquei com a descrição daquela criança”, conta.

A desinformação por trás do autodiagnóstico pode ser prejudicial aos usuários, uma vez que se tornam base para decisões importantes e influenciam o seu bem-estar. Juliana fala que já presenciou casos em que pessoas consideraram terminar um relacionamento e até mesmo mudar de emprego por conta dos conteúdos que assistiram. “Se você se apegar em um conteúdo generalizado, é muito difícil ter o discernimento se aquela dor é sua ou não. Já aconteceu de um paciente trazer um vídeo que viu na rede social e achar que aquilo era verdade, mas conversando entendemos que não, porque entrava em uma esfera diferente daquilo que ele é, da maneira que ele age”, relata a psicóloga. “Às vezes, estamos passando por um momento que não determina quem somos, o que nossos relacionamentos representam, quem somos na família ou no trabalho”, detalha.

Temas

Entre os conteúdos generalizados de psicologia, os que mais se destacam abordam questões de relacionamento, violência doméstica, abuso, autoestima e comportamento, ou, nas palavras de Juliana Rosado, “tudo aquilo que tem potencial para viralizar”.

Para a Livian, uma das maiores dificuldades é ter discernimento, uma vez que está sempre consumindo conteúdos na plataforma. “Por mais que eu saiba que não podemos considerar verdade tudo o que encontramos na internet, às vezes, acontece e os conceitos se misturam. No entanto, sempre que tenho dúvidas, levo para a minha terapeuta. Esse foi o jeito mais fácil e eficaz que encontrei para resolver essa situação”, conta.

Segundo Juliana, levar para a terapia é o melhor a se fazer, pois o atendimento é exclusivo. “Com um profissional qualificado, é possível entender a dor, razões, intensidade, o impacto que traz para sua vida, e lidar com a situação de uma maneira mais efetiva e saudável. Nós precisamos de um olhar de fora para te ajudar, sozinho é muito difícil!”, afirma.

Sobre o TikTok

Por mais que o TikTok não seja o aplicativo de mídia social mais popular atualmente ocupa o 6º lugar, atrás do Facebook, WhatsApp, Instagram, WeChat e Douyin. Os dados do Ranktracker ainda apontam que, em um futuro próximo, o cenário pode mudar até 2026.

O publicitário Bruno Antonio da Silva Martins, especialista em Marketing e Comunicação Digital, explica que é muito mais fácil viralizar no TikTok do que em outras plataformas, uma vez que permite conteúdos mais livres. “O algoritmo coloca para as pessoas aquilo que está sendo bem visto, ou que está repercutindo”, explica o profissional. “ No Instagram, para viralizar, é muito mais complicado e trabalhoso, precisa de um conteúdo profissional. Já no TikTok, qualquer coisa simples e que desperte atenção das pessoas vai gerar um grande engajamento”.

Bruno também cita a ausência de monitoramento do que está sendo exposto na plataforma, enquanto no Instagram existem Diretrizes de Recomendações e Controle de Conteúdos Sensíveis. Sendo assim, conteúdos sugestivos, violentos, que gerem gatilhos, ou que promovam informações falsas e o uso de produtos como tabaco, vaping, e medicamentos , não são recomendados para os demais usuários e, em alguns casos, removidos da plataforma.

Nesse cenário, definir boas práticas no TikTok se torna algo complicado para o especialista. “Em termos pessoais, é o cuidado com o que está desenvolvendo, com as pautas abordadas, um pouco de bom senso com o conteúdo que será compartilhado, porque o algoritmo dessa rede é um pouco mais insano do que no Instagram, e é muito mais fácil viralizar um conteúdo ruim”, pontua.

No entanto, Bruno também acredita que se trata de uma ação que também deveria partir da própria plataforma. “É muito mais fácil encontrar conteúdos no TikTok que podem despertar gatilhos, portanto, seria muito mais fácil a plataforma ter formas de filtrar do que as pessoas terem boas práticas”, finaliza.

Em nota, a plataforma esclarece que conta com tecnologia e profissionais treinados para detectar, de maneira proativa, vídeos que possam violar as Diretrizes da Comunidade. De julho a setembro, o aplicativo contabilizou uns taxa de remoção de 96,3% de vídeos na categoria integridade e autenticidade, abrangendo a parte de desinformação, conforme o Relatório de Aplicação das Diretrizes da Comunidade.

“Tiktokzação” em outras áreas

A desinformação presente nos vídeos compartilhados não se restringe apenas à psicologia. Das categorias de conteúdo presente no aplicativo, 41% dos usuários seguem perfis sobre saúde, vida fitness, gastronomia e receitas, o que também os tornaram nichos afetados.

A nutricionista Ludmila Aparecida Magalhães, de 22 anos, recebe todos os dias em seu WhatsApp vídeos de dietas e listas de alimentos para emagrecer. Embaixo do conteúdo, sempre há a mensagem do paciente: “Isso é verdade?”

“E, na grande maioria das vezes, a resposta é não! Porque não existe nenhum alimento que seja herói ou vilão, tudo na medida é permitido, porém pessoas que não têm formação nem o respaldo para falar sobre, tem falado muito”, esclarece a profissional. “Por isso tem tantas informações equivocadas, e um exemplo é a história do jejum intermitente para emagrecimento. Essa ideia ganhou uma força muito grande nos últimos tempos por conta da desinformação, mas não funciona para todo mundo”, comenta.

Ludmila orienta que as pessoas fujam de conteúdos “milagrosos”, como receitas e dietas, e antes de levar qualquer informação em consideração, que verifiquem a procedência profissional da fonte. “Nós não falamos nada porque achamos ou porque deu certo com fulano, é tudo baseado em evidências, ciência e estudos”, pontua.