‘Golpe do amor’: quando a vontade de encontrar um parceiro se torna um risco
Aplicativos de relacionamento se tornam ambientes propícios para criminosos enganar as vítimas
O sorocabano Bernardo* (nome fictício adotado para preservar a identidade da vítima) conheceu um pretendente em um aplicativo de relacionamento. Após várias conversas, o homem, morador da capital paulista, manifestou interesse em encontrá-lo. No entanto, havia um suposto problema. Ele alegou estar sem dinheiro para comprar a passagem de ônibus e pediu emprestado. O rapaz depositou a quantia, mas o seu pretendente nunca apareceu. O jovem foi vítima do chamado “golpe do amor”, cujos casos vêm aumentando.
Nesse golpe, criminosos demonstram suposto interesse em usuários de aplicativos de relacionamento. Durante os diálogos, eles cometem crimes com pelo menos três maneiras de agir já conhecidas. Na mais comum, o falsário apresenta diversas justificativas para pedir dinheiro às vítimas e some após receber as transferências bancárias, como aconteceu com Bernardo.
Em 2016, o rapaz acreditava estar conversando com alguém com quem poderia iniciar um namoro. Ele lembra que, em fotos publicadas nas mídias sociais, o falsário aparentava ter uma vida de alto padrão. As imagens o mostravam em locais luxuosos. Nas mensagens, ele reforçava essa realidade. “Contava histórias de como gastava muito com roupas, viagens, entre outras coisas”, relata o entrevistado.
Um dia, o homem manifestou interesse em conhecer Bernardo. Mesmo demonstrando riqueza, ele pediu cerca de R$ 40 ao sorocabano, para pagar a passagem de ônibus de São Paulo a Sorocaba. O rapaz identificou uma inconsistência, mas preferiu acreditar no homem. “Apesar de achar estranho, acabei emprestando, pois, como ele aparentava ter dinheiro, não me pareceu fazer sentido ele estar aplicando um golpe”, contou.
Após receber o valor, o golpista inventou uma desculpa e não veio para a cidade. Nesse momento, Bernardo constatou ter caído em um golpe. O jovem foi enganado duas vezes, pois, além de perder dinheiro, descobriu, por meio de pesquisas, que a vida de ostentação do homem era uma farsa. “Posteriormente, descobri que ele era garoto de programa, possivelmente sendo essa a possibilidade que ele tinha para estar naqueles lugares — restaurantes caros, motéis e hotéis de luxo”, disse.
Outras formas
Em outra forma, os criminosos solicitam fotos das vítimas nuas e, sob ameaça de divulgar as imagens ou contar para as famílias delas, eles as extorquem. Há, ainda, os sequestros, cada vez mais comuns. Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado de São Paulo, do início de 2023 até 26 de março deste ano, a Divisão Antissequestro (DAS) registrou 50 sequestros em virtude do “golpe do amor”. Desses, dois ocorreram em 2024. No período, a DAS prendeu 206 sequestradores envolvidos nesse tipo de delito, sendo 40 só neste ano.
Nesses casos, os golpistas marcam encontros com as vítimas pelas plataformas e, no local combinado, as raptam. Depois, exigem dinheiro, assim como as senhas de cartões e contas bancárias, para fazer compras ou saques. Às vezes, eles também roubam pertences dos sequestrados. Em casos mais graves, as vítimas acabam mortas.
O médico Heleno Veggi Dumbá, de 35 anos, é uma das possíveis vítimas do golpe do amor neste ano. Ele foi assassinado com um tiro na cabeça no dia 30 de março, no Jardim Elisa Maria, na capital paulista. A polícia suspeita de que ele tinha ido até o local após marcar um encontro por um aplicativo, pois a área é usada para esse tipo de crime.
Na mesma data, Miguel Bueno Rodrigues, de 28 anos, também sofreu uma emboscada, quando acreditava que conheceria uma mulher com quem conversava em um aplicativo de relacionamento. Ao chegar à porta da pretendente, em Taquarivaí, no interior de São Paulo, ele foi esfaqueado nas costas pelo ex-companheiro dela. O homem estava escondido em uma área de mata. Rodrigues chegou a ser levado para o hospital, mas morreu no dia 1º de abril.
Cuidados
Segundo o delegado Acácio Aparecido Leite, titular do 8º Distrito Policial (DP) de Sorocaba, alguns cuidados ajudam a evitar todas as formas do “golpe do amor”, desde o prejuízo financeiro até o sequestro. A primeira recomendação é não passar dados pessoais para quem está do outro lado da tela logo na primeira conversa. Ele também aconselha o usuário dos aplicativos a extrair o máximo de informações possível do pretendente. Isso pode ser feito tanto perguntando diretamente a ele, como em buscas nas redes sociais. Vale, inclusive, pedir várias fotos diferentes e fazer videochamadas.
Nesse sentido, Leite destaca que não se deve marcar encontro antes de conhecer a pessoa profundamente. Segundo ele, se houver pressão da outra parte para agendar um compromisso rapidamente, pode ser sinal de golpe. Isso porque é comum o falsário utilizar de recursos emocionais para motivar a vítima a querer se encontrar precipitadamente, sem se resguardar de possíveis emboscadas.
Às vezes, de acordo com o delegado, o criminoso conta, até mesmo, histórias comoventes, a exemplo de que é um militar lutando em uma guerra em outro país. Ele se compromete a enviar presentes para a vítima, mas, para tanto, informa ser necessário pagar as taxas alfandegárias e pede dinheiro. “É um golpe que age no sentimental da pessoa, na questão da carência afetiva”, reforçou Leite.
Caso haja confiança para um encontro, o titular do 8º DP frisa a importância da escolha de um local movimentado. Compartilhar o endereço do lugar, o horário e o nome do pretendente com pessoas próximas é outra medida importante. Outra orientação é não mandar, em hipótese alguma, fotos com nudez.
Procurar a polícia
Diante da suspeita ou da confirmação de golpe, a vítima deve registrar boletim de ocorrência, seja pela delegacia eletrônica (delegaciaeletronica.policiacivil.sp.gov.br) ou em um Distrito Policial. “Não hesite em procurar a polícia”, aconselhou Acácio Leite. Segundo ele, quando há prejuízo financeiro, o crime é considerado estelionato. Nos casos de sequestro, além do respectivo delito, o autor pode responder, também, por cárcere privado, extorsão, dentre outros crimes.