Maconha: uma questão de saúde pública

Assunto, que envolve questões de saúde e segurança pública, provoca debate em vários setores da sociedade

Por Vanessa Ferranti

"A partir do momento que a pessoa continua com a frequência do uso, vai mudando o tipo de sintoma... Com o tempo, a quantidade tem que aumentar para ele ter o mesmo efeito. Então, a tendência de quem usa é ir aumentando mesmo a quantidade", Ana Valentina Salvador, médica psiquiatra

A descriminalização do porte de maconha não é somente uma questão de segurança, mas também social e de saúde pública — é o que afirmam os especialistas das áreas do direito, saúde e forças policiais. O assunto ganhou destaque nesta semana após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que fixou a quantidade de maconha para diferenciar usuários de traficantes. Dessa maneira, a decisão, por 6 votos a 3, define que a pessoa que adquirir, guardar ou transportar até 40 gramas da substância para consumo pessoal não comete infração penal.

Para discutir o assunto, a rádio Cruzeiro FM 92,3 promoveu na sexta-feira (28) um debate sobre o tema, no quadro Radar da Semana. Participaram da conversa o delegado chefe da Polícia Federal de Sorocaba, Eduardo Fontes, a médica psiquiatra Ana Valentina Salvador e o advogado Fábio Cenci. Para os profissionais, o uso e porte de drogas, sejam elas ilegais ou legalizadas, como o álcool, por exemplo, trata-se também de uma questão social e de saúde pública.

O delegado da Polícia Federal de Sorocaba, Eduardo Fontes, acredita que o tema é importante, no entanto, ele argumenta que faltou uma discussão mais aprofundada sobre a descriminalização do porte da substância. “Perdemos uma grande oportunidade de fazer um debate profundo com a sociedade para enfrentar corajosamente esse tema, que é um tema global, e a gente vê que isso acaba virando agora ‘figurinha do WhatsApp’, são vídeos que viralizam nos grupos e o Brasil continua ainda com essa carência de um debate profundo sobre esse assunto”.

O delegado reitera que a discussão não deve ocorrer somente no âmbito da segurança pública. “Envolve saúde pública, envolve educação, conscientização principalmente. No aspecto da segurança pública, percebo que pouca mudança vai ocorrer, a mudança que o STF traz é apenas de procedimento em um primeiro momento, porque esse tipo de comportamento era considerado crime, mas não tinha nenhuma pena, e eram medidas educativas que eram aplicadas ao usuário de drogas, e essa, apesar de ser considerada um crime, não trazia reflexos como reincidência, por exemplo, na vida do criminoso”. Fontes explica que ao ser abordada com a maconha, a pessoa sofria apenas algumas sanções, como advertência, prestação de serviço para a comunidade e obrigatoriedade de frequentar um curso educativo, mas não era preso.

Além disso, o delegado explica que a polícia e o Poder Judiciário não analisam apenas a quantidade de drogas guardadas para classificar a pessoa abordada como traficante ou usuário.

“Temos que analisar outros aspectos, como o local da ação e se o indivíduo tem antecedentes. Por exemplo, alguém é pego com 10 gramas de maconha, mas pode ter uma lista de nomes e valores, indicando tráfico, além de um pacote de dinheiro, que hoje poucas pessoas usam, a gente só usa cartão praticamente. Você começa a perguntar, a pessoa diz que está desempregada, não sabe explicar a origem do dinheiro. Então, você percebe que, apesar da pouca quantidade de drogas que estava portando, a pessoa pode ser traficante, pois muitos traficantes carregam pequenas quantidades para vender”.

O que muda?

Para o advogado Fábio Cenci a decisão do STF leva em conta a diferenciação de usuário e traficante. O advogado ressalta que a lei já fazia essa análise, tendo o usuário penalidades administrativas. No entanto, a lei não trazia um critério objetivo — que agora é a quantificação.

“O Supremo não tem força para legislar e nesse caso não legislou, na minha opinião, simplesmente tarifou, quantificou, qualificou o que é um e o que é outro. O juiz, tem essa função de trazer, em determinadas situações, o critério objetivo com a finalidade — penso — de impedir um encarceramento, às vezes, até exagerado de uma pessoa que cumpre suas funções, trabalha, tem as suas responsabilidades e consome maconha”.

O advogado declara, ainda, que não está defendendo do uso de drogas, mas acredita que deve haver uma reflexão sobre a questão social. “Uma associação brasileira fez um levantamento, e aí temos um outro problema que é social e não jurídico, de situações idênticas, com pessoas diferentes e tratamentos diferentes. Levantou-se que muitas pessoas que eram surpreendidas com 20 gramas de maconha, mas em regiões mais periféricas eram classificadas, julgadas e penalizadas como traficantes. Pessoas localizadas e surpreendidas com a mesma quantidade de drogas em situações mais abastadas e de um estereótipo menos necessitado, pessoas com condições financeiras maiores, inclusive com um pouco mais de drogas, eram classificadas como usuários. É justo isso?”, questiona o advogado. “Não estou fazendo defesa, mas a realidade social mostra que o uso de drogas lícitas ou ilícitas acontece desde que o mundo é mundo e se fosse questão exclusivamente de segurança pública, os Estados Unidos teriam resolvido esse problema”, complementou.

Efeitos da maconha

Conforme a médica psiquiatra Ana Valentina Salvador, a cannabis leva o usuário ao vício, podendo, muitas vezes, ser necessário a internação. Dessa forma, ela enxerga o uso da maconha como um problema de saúde pública. “A quantidade que ele vai consumir vai determinar o mal que aquela droga está fazendo. Pelo que eu entendi, a quantidade não é pequena. É uma quantidade que parece que dá para uns dois meses de uso, se for um uso pequeno diário. Então, eu acho que acaba caracterizando uma quantidade que daria para vender. Acredito que seria difícil até se fosse pouca quantidade”, informou.

A médica também declara os efeitos na maconha no organismo. Ela diz que a substância causa euforia, fazendo a pessoa que a utiliza sempre querer mais. ”O uso da droga no início causa certo sintomas. A partir do momento que a pessoa continua com a frequência do uso, vai mudando o tipo de sintoma. Então, ela vai querer sempre uma quantidade maior para procurar ter aquele efeito inicial que ela tinha, uma certa euforia, dar risada, tudo é engraçado, e com o tempo, a quantidade tem que aumentar para ele ter o mesmo efeito. Então, a tendência de quem usa é ir aumentando mesmo a quantidade”, finaliza a médica.