Plano de saúde muda tratamento a pacientes com Transtorno de Espectro Autista e desagrada mães
Hapvida NotreDame Intermédica apresenta justificativa, mas não convence as famílias. Há uma mobilização sobre o tema
Embora a Câmara Municipal de Sorocaba tenha criado uma Comissão Especial Parlamentar para acompanhar a situação do atendimento a pacientes com Transtorno de Espectro Autista (TEA) oferecido pela Hapvida NotreDame Intermédica, os problemas continuam. A afirmação é de duas mães de crianças com TEA. O plano de saúde vai transferir a Análise do Comportamento Aplicado (ABA) — um dos tratamentos mais indicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) — de clínicas conveniadas para um núcleo próprio. A alteração desagradou usuários do convênio. Em nota, a Hapvida NotreDame Intermédica informou que os serviços são internalizados gradativamente para atendimento em rede própria, garantindo a continuidade das terapias com maior acompanhamento.
Mães de autistas formaram um grupo, com aproximadamente 100 membros, para tentar reverter a decisão da empresa. Segundo elas, com o descredenciamento de 26 clínicas, previsto para ocorrer até o dia 31 de julho, haveria a interrupção repentina dos tratamentos. Com isso, aproximadamente 500 crianças seriam prejudicadas. As integrantes temem que, sem a assistência adequada, o desenvolvimento dos filhos retroceda. Ainda de acordo com elas, o intuito da Intermédica é oferecer tratamento coletivo em um galpão, desconsiderando as particularidades e demandas de cada paciente. Para eles, a troca dos profissionais de saúde que atendem às crianças também causaria regressão.
Por esses motivos, familiares fizeram um protesto contra a decisão do plano de saúde durante a sessão da Câmara de 25 de junho. Eles pedem tratamento individualizado e adequado, com espaço apropriado e profissionais capacitados; ampliação dos atendimentos e redução da fila de espera. A manifestação resultou na criação da Comissão Especial Parlamentar, em 27 de junho.
De acordo com o Legislativo, o primeiro compromisso da comissão será uma audiência pública no dia 10 de agosto, às 14h, para debater a questão. Ela é presidida por Luís Santos. Tem como membros Caio Oliveira, Cícero João, Cristiano Passos, Dylan Dantas, Fabio Simoa, Fausto Peres, Fernanda Garcia, Fernando Dini, Francisco França, Cláudio Sorocaba, Hélio Brasileiro, Iara Bernardi, Ítalo Moreira, João Donizeti, Vinícius Aith, Rodrigo do Treviso e Salatiel Hergesel.
O Cruzeiro do Sul entrou em contato com a Hapvida NotreDame Intermédica. Em nota, a empresa informou “que está investindo significativamente na região de Sorocaba, sempre com foco no acolhimento e na experiência do cliente”. A companhia informa que “trabalha diariamente para oferecer o melhor atendimento e busca constantes melhorias nos serviços para pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA)”.
A operadora declara que mantém duas clínicas na região de Sorocaba com infraestrutura robusta, incluindo salas de integração sensorial. “A equipe é formada por especialistas em diversas áreas, como psicologia, psicopedagogia, fonoaudiologia, terapia ocupacional (incluindo integração sensorial), musicoterapia, nutrição, fisioterapia e psicomotricidade, todos capacitados para atender às necessidades específicas desses pacientes”.
Já em relação a reclamação das mães, a empresa ressalta que os serviços estão sendo internalizados gradativamente para atendimento em rede própria, garantindo a continuidade das terapias com maior acompanhamento. Além da estrutura, a operadora diz também que a cidade contará com a rede credenciada, de acordo com cada plano contratado. “Isso reflete o compromisso da empresa em oferecer atendimento técnico de excelência e ressalta que as cargas horárias das terapias serão respeitadas de acordo com o plano terapêutico do paciente, em conformidade com os parâmetros definidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar”. A empresa salienta que o núcleo de terapias integradas está em contato direto com as famílias, fornecendo esclarecimentos e apoio para assegurar a manutenção dos tratamentos.
“O objetivo é garantir assistência humanizada, com controle, padronização, acompanhamento evolutivo e manutenção do plano terapêutico, assegurando que cada paciente receba o melhor cuidado possível, refletindo o compromisso contínuo com a excelência e a satisfação dos clientes”, finaliza a nota.
Infraestrutura oferecida seria inadequada
Priscila Amorim, de 44 anos, é mãe de Emanuel Réu, de 6. Ela conta que, após aderir ao convênio, o filho levou seis meses para conseguir tratamento em uma clínica conveniada. Ele faz ABA há cerca de um ano, tendo passado por duas clínicas credenciadas.
Segundo a mãe, o menino apresentou vários avanços, principalmente, o desenvolvimento da fala funcional. Com a troca de local, acredita ela, além de perder esse resultado, ele não vai alcançar outros. Isso porque autistas não lidam bem com mudanças, assim como demoram para criar vínculos com novos espaços e pessoas. Quando a família mudou de casa, por exemplo, Emanuel teve crises durante um mês. “Quando finalmente encontro uma clínica na rede credenciada, que era isso que estava escrito no meu contrato, e o meu filho cria vínculo com o local, com a terapeuta, eles (Intermédica) querem me obrigar a ir para esse núcleo de terapia”, critica.
Ainda conforme Priscila, o núcleo oferecido pelo plano é inadequado para o atendimento de pacientes com TEA, pois não possui espaço lúdico, nem janelas, e tem pouco material de interação. Além disso, a equipe não teria a certificação necessária para atuar com Análise do Comportamento Aplicado. A sorocabana também reclama do fato de ser um prédio de salas comerciais, onde trabalham outros profissionais de saúde. Para ela, ao não estar em um espaço exclusivo, as crianças podem sofrer preconceito.
Diante dessa situação, a mãe considera a possibilidade de não frequentar o núcleo. “Eu prefiro que meu filho estagne em casa, sem fazer terapia, porque, lá, eu não enxergo que ele vai ter desenvolvimento e vai ser traumatizante. Com isso tudo, eles estão tirando o nosso sonho de os nossos filhos viverem independentemente de nós, porque o maior medo que temos é, se um dia faltarmos, quem vai cuidar deles? Eles dependem de nós e precisam da terapia para ter independência”.
Mãe de Alice Mello, de 7 anos, Marjorie Mello, de 32, pode tomar a mesma decisão. Segundo a cliente da Intermédica, além dos problemas citados por Priscila, o espaço não conta com recursos de acessibilidade, equipamentos e segurança. Ela ainda afirma que o espaço não vai reunir as terapias multidisciplinares (todas no mesmo lugar), como acontecia nas clínicas credenciadas, e o tempo de tratamento será reduzido. “A minha filha, por exemplo, faz 40 horas semanais de terapia, e eles querem fornecer 20 horas mensais”.
Conforme Marjorie, o convênio teria, até mesmo, comunicado as famílias sobre a necessidade de as crianças passarem por novas avaliações, para verificar se realmente são autistas e precisam dos tratamentos. “Eles estão invalidando os tratamentos de anos, os pedidos médicos, as terapias”, fala a mãe, cuja filha realiza ABA há quatro anos. “Isso é desumano com as crianças”.