Cães de assistência podem mudar vida de pessoas com TEA e cegas

Instituto Adimax treina animais para cuidar, proteger e auxiliar os tutores em tempo integral

Por Beatriz Falcão

Parte importante dos resultados depende da compatibilidade entre cão e tutor, o "match" perfeito


Há quem diga que o cachorro é o melhor amigo do homem, muito pelo companheirismo e carisma espontâneo. Contudo, no caso dos cães de assistência, o ditado popular é uma realidade, principalmente para as crianças diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Neste caso, o animal de estimação é treinado para cuidar, proteger e auxiliar o seu tutor por um período integral, ou seja, para ser um amigo para todas as horas.

O Instituto Adimax, localizado em Salto de Pirapora, é a única organização da América Latina que oferece o treinamento para cães de assistência, seja para tutores com TEA ou com deficiência visual. De acordo com o diretor, Thiago Pereira, 90 cães-guias foram doados e 33 famílias foram beneficiadas com o cão de assistência.

“É muito significativo ver a transformação que o cão pode fazer na vida de uma pessoa, seja uma pessoa cega ou uma família com diagnóstico de autismo. São transformações de vida e perspectiva, além de ajudar a sociedade”, afirma o diretor do instituto.

Entre as crianças contempladas com um melhor amigo de quatro patas, está Mariana de Castro Terra, de sete anos. Ela foi diagnosticada com autismo aos dois anos, quando a família começou a perceber alguns comportamentos que não condiziam com a idade. “No começo foi muito desafiador para nós, porque não conhecíamos nada sobre o TEA e caímos neste mundo de paraquedas”, relata a mãe da menina, Maísa de Castro Terra.

Em julho do ano passado, Maísa conheceu o Instituto Adimax por meio de uma família voluntária, que estava no processo de socialização de um cão. “Nós ainda não conhecíamos o trabalho da organização, apenas nos encontramos por acaso e pedimos para fazer carinho no cachorro. No entanto, eles explicaram que não podia, devido ao treinamento, e aproveitaram para apresentar o programa”, conta.

O interesse foi instantâneo e, no mesmo dia, a mãe procurou mais informações sobre o processo de adoção. No site da instituição, o cadastro foi preenchido e, após seis meses, receberam a notícia de mais uma adição na família: a Cristal, um cão da raça labrador e a mais nova amiga da Mariana.

“Atualmente, a minha filha está muito mais concentrada e calma nas sessões de terapia. Todos os terapeutas, sem exceção, falam que ela parece outra criança na presença da Cristal”, relata Maísa. “Quando nós vamos sair, antes a Mariana tinha o impulso de sair correndo na frente, agora ela já está aprendendo que precisa andar ao lado da cachorra. Além disso, a companheira ajuda muito no controle das emoções”.

Treinamento

Esse ajuste das emoções é apenas um dos benefícios observados nas crianças que convivem com os cães de assistência. No treinamento, o cão também aprende a interromper comportamentos autolesivos e agir durante as desregulações emocionais. O processo de treinamento leva, em média, dois anos.

Pereira explica que, neste período, o cão passa pela maternidade e pela socialização com a família voluntária, que tem a responsabilidade de ensiná-lo a se comportar nos mais diferentes ambientes e estímulos. A última etapa é o treinamento específico de aproximadamente cinco meses.

“O mais interessante é que o cão escolhe qual é a sua vocação, seja cão-guia, cão-assistente ou de estimação mesmo. Portanto, definir a sua função logo na maternidade é muito precoce, nós precisamos dar a oportunidade para o cão”, esclarece o diretor. “Na maternidade e na socialização, nós não colocamos nenhuma responsabilidade sobre ele, o que fazemos é expô-lo a uma vida real, em lugares públicos e privados”.

A vocação do animal é percebida por meio do seu comportamento, expressão corporal, perfil e outros detalhes técnicos. “Os cães nascem conosco e, durante todos os processos, nós conhecemos muito bem os seus sinais e comportamentos. Isso é algo que sempre respeitaremos: o bem-estar dos nossos cães, além da excelência na prestação de serviços para as pessoas com deficiência e para a sociedade”, afirma Pereira.

‘Match’ perfeito

Após concluir o treinamento, o cão é registrado em um banco de dados com todas as suas características. No mesmo sistema, atualmente, estão cadastradas mais de 200 crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que esperam por um companheiro canino. Nesta etapa acontece a compatibilidade entre o cachorro e o seu futuro tutor ou, como Pereira chama, o “match estratégico”.

“A nossa fila de espera não segue uma ordem lógica, não necessariamente o primeiro da fila será o primeiro contemplado em razão desse sistema”, explica o diretor do instituto. “Para formar as duplas, nós consideramos o grau de autismo da criança, a idade, a rotina da família e a estrutura da casa para ver se são compatíveis com o perfil do cão. Assim também é feito com a pessoa com deficiência visual e o cão-guia”.

Maísa percebe o cuidado na escolha do cão-assistente, uma vez que Cristal possui algumas características semelhantes às de Mariana, como a tranquilidade. “Ela é uma criança muito tranquila e com poucas crises, a Cristal é do jeitinho dela”, relata.

Após o “match”, acontece também o período de adaptação. No caso dos cães de assistência, o processo é feito na casa da criança, pois o animal precisa acompanhar a sua rotina. Entretanto, a adaptação do deficiente visual com o cão-guia acontece em um hotel no próprio Instituto Adimax.

“Claro, o cão é mais um elemento que auxilia no contexto geral, mas os resultados são extraordinários e emocionantes”, finaliza Pereira. (Beatriz Falcão)