Mulheres vítimas de violência doméstica terão auxílio financeiro para ficar longe do agressor

Dois projetos de lei, aprovados recentemente, dão garantias da concessão do benefício: um federal e outro municipal

Por Vanessa Ferranti

Quando a mulher está em uma situação de vulnerabilidade, por ser vítima de violência, muitas vezes acaba não tendo para onde ir

A cada quatro horas, uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil, segundo dados da Rede de Observatórios da Segurança. O levantamento constatou, também, que foram registrados 2.423 casos de violência contra a mulher em 2022 em todo o território nacional, sendo 495 deles feminicídios.

Para mudar essa estatística e dar autonomia para a mulher vítima de violência, projetos estão sendo implementados nos âmbitos federal, estadual e municipal. Em 14 de junho, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), do Senado, aprovou o Projeto de Lei (PL) que oferece benefícios eventuais de assistência social à mulheres vítima de violência doméstica. O projeto havia sido votado no Senado em 2012, mas sofreu alteração na Câmara dos Deputados e voltou para nova análise. Aprovado agora na CDH, segue para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

De iniciativa do senador Humberto Costa (PT-PE), o texto altera a definição de “vulnerabilidade temporária”, prevista na Lei Orgânica da Assistência Social, para incluir situações de violência doméstica, física, sexual ou psicológica e de ameaça à vida como requisitos para recebimento do benefício. Assim, a mulher passará a ter direito a eventuais auxílios financeiros suplementares e provisórios ofertados a cidadãos e famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública. O auxílio é concedido a pedido da pessoa em situação de risco ou pela identificação dessas situações no atendimento a usuários dos serviços de assistência social.

Ações sobre o tema também foram discutidas recentemente na Câmara de Sorocaba. O Poder Legislativo aprovou a lei que institui o auxílio-aluguel para as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, de autoria do vereador Fernando Dini (MDB). A matéria foi publicada em 21 de junho no Jornal do Município, após derrubada de veto do Executivo. A regulamentação deve ocorrer no prazo de 120 dias a contar da data de publicação.

A concessão do benefício terá validade de seis meses, podendo ser prorrogado por igual período, uma única vez, mediante avaliação da Prefeitura. A definição quanto aos casos que se enquadram nas condições dos termos da lei será regulamentada pela administração municipal.

De acordo com a Prefeitura, a regulamentação está em tramite no Executivo e inclui um estudo para a aplicação da norma, que é abrangente ao incluir o auxílio-moradia, prevendo também concessão do benefício para mulheres vítimas de violência doméstica e definindo as condições e os requisitos para o seu recebimento.

Após entrar em vigor, as pessoas que tiverem direito ao benefício deverão fazer a sua solicitação junto à Secretaria da Cidadania, no setor de Benefícios.

Para Greiciane de Oliveira Sanches, advogada e professora da disciplina de Direitos Humanos da Universidade de Sorocaba (Uniso), medidas como essas são necessárias e positivas para a autonomia e proteção da mulher vítima de violência doméstica. “É uma situação que infelizmente é bastante comum no nosso País. Quando a mulher está em uma situação de vulnerabilidade, por ser vítima de violência, muitas vezes acaba não tendo para onde ir, então, esse tipo de iniciativa, de auxílio financeiro temporário, é bastante importante, até por uma questão de empoderamento feminino dentro dessa situação de violência, então, acaba sendo uma política pública necessária e que está de acordo com a nossa legislação”, ressaltou.

Tratado internacional

Desde 1979, o Brasil faz parte de um tratado internacional denominado Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. Desde então, o País se comprometeu perante a Organização das Nações Unidas (ONU) -- e com outros países -- a criar políticas públicas para evitar e prevenir que ocorram situações de discriminação contra a mulher em território nacional.

“Ele (o tratado) acabou sendo base para a própria Lei Maria da Penha aqui no Brasil, que foi a que deu o pontapé inicial nessas políticas de violência contra a mulher no nosso País, e ele vai trazer um fundamento para esse tipo de medida que está sendo adotada no nosso Estado”, explicou Greiciane Sanches.

A professora lembra que há na Constituição exigências de que seja prestada assistência social a quem dela necessitar e assistência aos desamparados. A mulher vítima de violência doméstica faz parte desse grupo, já que se torna uma pessoa em situação de desamparo. Assim, existem alguns serviços disponíveis para auxiliar essas vítimas, um deles é o Sistema Único de Assistência Social (Suas) que presta serviço de amparo, como casas de acolhimentos às mulheres para que elas possam deixar o lar onde sofrem agressões ou ameaças.

No País, há também delegacias e vara especializada no Fórum de Violência Contra a Mulher. Existem, ainda, exceções, com alguns benefícios que podem ser conquistados na Justiça de acordo com cada situação.

Ações em Sorocaba

Atualmente, Sorocaba dispõe de uma série de ações que auxiliam mulheres vítimas de violência e ocorrem de forma ampla e preventiva, envolvendo a realização de campanhas informativas e também o atendimento de grupos de pessoas pelos Centros de Referência em Assistência Social (Crass).

Na cidade, há, ainda, uma rede de atendimento à mulher vítima de violência formada pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) com funcionamento 24 horas; Centro de Referência da Mulher (Cerem), com atendimento social e psicológico; Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM), que articula e desenvolve políticas públicas; Casa Abrigo Valquíria Rocha, parceira da Prefeitura e destinada ao acolhimento emergencial das vítimas; e Vara Especializada em Violência Doméstica; além do protocolo de atendimento prioritário dessas pessoas no Posto de Atendimento ao Trabalhador (PAT) e na Universidade do Trabalhador, Empreendedorismo e Negócios (Uniten), para facilitar o acesso ao mercado de trabalho e a cursos de capacitação e geração de renda.

Investimento

Apesar das políticas públicas já existentes atualmente no Brasil, mulheres são vítimas todos os dias de violência doméstica e feminicídio no País. Em Sorocaba, o caso mais recente ocorreu na segunda-feira (26), na zona norte. Um policial militar matou a ex-mulher a tiros e em seguida cometeu suicídio. Horas antes do crime, a vítima havia ido até a DDM e contou sobre as ameaças. Foram solicitadas medidas protetivas de urgência e a suspensão do porte de arma do homem, além de um pedido de busca e apreensão para o local em que ele estava residindo. O pedido de medida protetiva seria apreciado pelo Poder Judiciário no dia seguinte, pois a lei prevê que o Juiz tem até 48h para emitir a decisão, mas não deu tempo.

Greiciane Sanches diz que, desde a criação da Lei Maria da Penha, ocorrem progressivas mudanças na legislação para garantir os direitos das mulheres. Porém, em alguns casos, as ações não são efetivas. “Nem sempre vamos ter a possibilidade de uma fiscalização efetiva, por exemplo. Tem mulher que pega medida protetiva, tem a documentação garantida, mas na prática, infelizmente, o Estado não tem mecanismos para de fato proteger essa mulher”.

Para mudar esse cenário, é importante investir também em educação e conscientização da mulher sobre seus direitos, já que muitas, por questões social, cultural e até religiosa, acabam vivendo ou voltando a morar com o agressor. “Tendo acesso a informação e um amparo estatal vai diminuir bastante o número dessas situações em que a mulher se mantém no lar desamparada ou tem o retorno para um relacionamento abusivo, e isso cria incidência de violência, que acabam fazendo com que isso seja bastante comum na nossa sociedade. Todo mundo conhece uma mulher que foi agredida. É bem complicado, mas eu acredito que seja esse o caminho”, concluiu Greiciane Sanches. (Vanessa Ferranti, com informações da Agência Senado)