Ilha Comprida sofre com processos erosivos

No extremo norte da praia, um trecho de 7 quilômetros de extensão "invadiu" a avenida Beira-Mar e alterou a mobilidade urbana

Por Virginia Kleinhappel Valio

Trecho da avenida Beira-Mar foi "engolida". Prefeitura precisou reativar acesso alternativo antigo, no Balneário Araçá, paralelo à orla

Localizada há cerca de 3h30 de Sorocaba, a Ilha Comprida é uma das opções dos sorocabanos -- e de muitos moradores da Região Metropolitana (RMS) -- na hora de viajar para o litoral sul do Estado. É reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) como reserva da biosfera do planeta. Muitas famílias possuem casas de veraneio na cidade. No entanto, para quem investiu em um imóvel “pé na areia”, ou para os que moram no local, especificamente no norte da ilha, a paisagem hoje é outra. O motivo é o processo erosivo que ocorre no extremo norte da praia, em um trecho de 7 quilômetros de extensão, que “invadiu” a avenida Beira-Mar e obrigou a Prefeitura a reativar um acesso alternativo antigo, no Balneário Araçá, paralelo à orla, para garantir a mobilidade urbana e a ligação rodoviária ao extremo norte da cidade.

A Ilha Comprida possui 74 quilômetros de praias ininterruptas e uma área de 192 quilômetros quadrados. O processo erosivo que atinge os balneários Praia do Araçá e Ponta da Praia é antigo e se acentuou na última década. Neste período, o mar avançou de maneira mais intensa, causando erosão e atingindo edificações construídas próximas ao mar.

Por meio de nota, a Prefeitura de Ilha Comprida informa que monitora a situação desde 2001 para garantir a segurança do Araçá e o acesso à Ponta Norte, bem como promover a adoção de ações imediatas, principalmente em períodos de inverno, com as ressacas do mar.

Entre as medidas para conter o avanço do mar, o município executou, no ano passado, a contenção emergencial, no Balneário Araçá, com enrocamento (amortecedor formado por estrutura executada em pedra, destinado à proteção de taludes e canais, contra efeitos erosivos ou solapamentos, causados pelos fluxos d’água) de pedras, medida que a Prefeitura afirma que tem se mostrado eficaz até o momento, com estabilização da situação no trecho. Em junho deste ano, o município encaminhou ofício aos órgãos ambientais para comunicar a intenção de prosseguir com a contenção do mar no Araçá, caso haja riscos à mobilidade à Ponta Norte.

Em relação ao risco da Ilha Comprida se dividir em duas partes, a administração municipal destacou que a dinâmica das marés, bem como o processo de correntes oceânicas e inúmeros fatores tanto oceânicos quanto da movimentação da barra do Icapara, das correntes do rio Ribeira e Valo Grande, são processos dinâmicos no extremo norte da ilha. Porém, o município tem observado um recuo do oceano com cerca de 300 metros na ponta norte ao mesmo tempo em que há o aumento das áreas de manguezais no mar de dentro. Não há, até o presente momento, estudos que indiquem a possível divisão da ilha na localidade atingida pelo processo erosivo.

“É notável que o planeta passa por mudanças climáticas que afetam diretamente a dinâmica dos oceanos, fato esse que pode ou contribui com a elevação do nível do mar de maneira que grande parte da costa brasileira sofre processo erosivos causados pelas dinâmicas praias”, explica o município.

Especialista comenta

De acordo com o oceanólogo do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Ciências Marinhas pela Universidade de Plymouth, no Reino Unido, Eduardo Siegle, as regiões costeiras são dinâmicas e com variações da linha da costa acontecendo regularmente em várias escalas. Para que isso possa ocorrer, é preciso espaço e pouca interferência. Ou seja, a ocupação e construções interferem e podem acelerar o processo erosivo.

“Essa dinâmica é ainda maior em regiões próximas a desembocaduras fluviais ou estuarinas, como é o caso dessa porção norte da Ilha Comprida. Essa região sofre um estreitamento e crescimento em direção ao norte, em função de mudanças na desembocadura do rio Ribeira do Iguape e do Mar Pequeno. Adicionalmente, considerando as mudanças climáticas e a consequente elevação do nível do mar, regiões costeiras apresentam uma tendência atual de recuo”, disse o especialista.

Eduardo Siegle explica que existindo espaço para o recuo, o ambiente praial vai se deslocar em direção ao continente, como ocorre na Ilha Comprida. Se não existir um espaço para esse recuo, a tendência é que o ambiente desapareça: “Segundo as projeções para o futuro, a tendência de elevação do nível do mar fará com que cada vez mais tenhamos esse avanço do mar e recuo dos ambientes costeiros”.

No caso da Ilha Comprida, a tendência é o recuo da linha de costa em seus dois lados, tanto do lado da praia quanto do canal interno. Para o especialista, é difícil prever o que pode acontecer com a ilha nos próximos anos. “Sem estudos específicos, considerando aspectos locais e cenários de elevação do nível do mar, não é possível prever em quantos anos mudanças mais drásticas poderiam acontecer”, disse.

O especialista cita as construções de obras rígidas, como muros de proteção, por exemplo. Essas obras aceleram a retirada de areia do ambiente costeiro e resultam em maior retração da linha de costa. “A melhor forma de adaptação a essa situação de recuo da linha de costa deve ser estudada para cada trecho do litoral, considerando as suas particularidades. É necessário o investimento em estudos para a compreensão do comportamento de cada sistema, de forma a poder planejar a melhor forma de adaptação”, explica.

Em outros locais

Não é só a Ilha Comprida que sofre com processos erosivos. Diversos locais do litoral do Brasil e do mundo estão passando por isso, devido principalmente à ocupação desordenada e às mudanças climáticas, resultando na elevação do nível do mar, alterações no clima de ondas e intensificação de eventos extremos, por exemplo.

É o caso de Tuvalu, país localizado na Oceania. O oceanólogo explica que o país fica em um atol, uma ilha oceânica formada por corais e caracterizadas por ter um formato oval, além de ser bastante baixa. No caso de Tuvalu, a altitude média é abaixo de dois metros. O ponto mais alto da ilha é de 4,6 metros acima do nível do mar. “Assim, será um país altamente impactado pela elevação do nível do mar ao longo dos próximos anos. Estudos indicam que metade da região próximo à capital Funafuti será afetada pelas inundações das marés até metade do século. Até 2100, essa área sobe para 95%”.

Isso significa que ao longo das próximas décadas, praticamente o país inteiro será inundado, e isso gerará um processo de imigração em função de mudanças climáticas. Esse processo não é relacionado apenas à perda de terreno, mas também com a salinização (processo de superacumulação de sais minerais, provenientes de água da chuva, água do mar ou aquela usada em irrigação) do lençol freático, cada vez mais intenso em função do aumento do nível do mar.

O que pode ser feito?

Existem diversas escalas de atuação para buscar mudanças e conscientização. Uma medida mais imediata está relacionada à ocupação de áreas vulneráveis e que podem ser de risco em futuro próximo. Segundo o especialista, a ocupação de áreas costeiras deve ser planejada e áreas próximas à linha de costa, de ecossistemas costeiros, como mangues, marismas (ecossistemas úmidos formados por depressões próximas à foz de um rio que sofrem inundação pelas marés e pela descarga fluvial), dunas e praias, devem ser preservadas, sendo o ambiente natural a melhor forma de proteção costeira. “Outra importante atuação está relacionada à nossa interferência em questões climáticas. É necessário atuarmos no enfrentamento às mudanças climáticas, reduzindo emissões de gases de efeito estufa”, disse Eduardo Siegle. (Virginia Kleinhappel Valio)