Comunidade quilombola e Grupo Votorantim lutam por terras na Justiça

Atualmente cerca de 40 famílias vivem no local; Ministério Público acompanha o caso

Por Vanessa Ferranti

Votorantim S/A alega que é proprietária e possuidora de algumas áreas no município de Votorantim há mais de 100 anos

A comunidade quilombola José Joaquim de Camargo, localizada no bairro Votocel, em Votorantim, e o grupo Votorantim enfrentam um processo judicial por terras. Atualmente, aproximadamente 40 famílias vivem na comunidade. Os moradores afirmam ser descendentes de José Joaquim de Camargo, um escravo alforriado que comprou as terras do capitão Jesuíno Cerqueira César por 400 mil réis. No entanto, o Grupo Votorantim também reivindica a propriedade da área.

Segundo informações do Mapa de Conflitos da Fiocruz, Joaquim de Camargo comprou 84 mil alqueires de terras, sendo essas ricas em minério. A escritura de compra foi datada em 02 de novembro de 1874 e descreve os limites da área adquirida com referência aos córregos e às cachoeiras da região.

Ainda de acordo com o órgão, a comunidade, dividida em dois núcleos, Votorantim e Salto de Pirapora, conseguiu em 31 de dezembro de 2008 a Certidão de Remanescente de Quilombo (CRQs), emitida pela Fundação Cultural Palmares, após autodeclaração.

No entanto, segundo a população local, a Prefeitura de Votorantim não reconhece a comunidade como quilombola e não presta assistência aos moradores da área. “Aqui é um descaso total, é esgoto a céu aberto, eu não tenho como plantar alface, eu tinha agricultura aqui, mas o pessoal não queria mais comprar alface porque tem um esgoto a céu aberto que eles não querem colocar cano, fico em uma situação dificil”, ressaltou Amaro Fernandes, de 57 anos, presidente da Associação José Joaquim de Camargo durante reportagem veículada em 8 de maio pelo Cruzeiro do Sul.

Em nota, a Prefeitura de Votorantim informou que presta assistência à comunidade, tanto educacional quanto médico-hospitalar. Disse também que a comunidade está localizada em uma área invadida. “Existe uma disputa judicial entre os invasores, que se declaram descendentes de quilombolas, e a proprietária titulada Grupo Votorantim S/A. A irregularidade da invasão da área está sendo discutida na Justiça Comum - Comarca Votorantim”, informou em nota.

Reintegração de posse

As dezenas de famílias da comunidade vivem no local sem estrutura. Há casas de madeira e esgoto a céu aberto. A via é de terra e há bastante mato no entorno. Os moradores declaram que a rua onde vivem não tem nome e nem Código de Endereçamento Postal (CEP).

Em novembro de 2017, o Cruzeiro do Sul esteve no local e conversou com as famílias. Na ocasião, Alifer Camargo, hoje líder quilombola da comunidade, disse que seu sonho era ver o local ser tratado como qualquer outro bairro da cidade. Quase 7 anos se passaram, mas para ele, nada mudou. Atualmente, a comunidade briga na Justiça pelas terras.

“A empresa (Grupo Votorantim) entrou com processo de reintegração contra a comunidade. Acionamos o Incra, porque já tinha um processo antigo sobre a regularização. Acionamos os órgãos que defendem a comunidade quilombola e o procurador também. Fizemos uma solicitação para o processo ser mudado de competência. Como trata-se de uma comunidade quilombola tem que ir para a justiça federal e não estadual”, declarou Alifer.

Em nota, a Votorantim S/A alegou que é proprietária e possuidora de algumas áreas no município de Votorantim há mais de 100 anos, “dentre elas, está aquela atualmente ocupada pelo núcleo populacional instalado na Comunidade Votocel. A área parcialmente ocupada pelo núcleo está descrita na matrícula 31.320, oriunda de desmembramento daquela de nº 15.770, do 1º Cartório de Registro de Imóveis de Sorocaba”. A empresa também declarou que não foi intimada pelo Incra e tem perfeita ciência da relevância e responsabilidade socioambiental que exerce nas comunidades em que está inserida.

Questionado, o Ministério Público de São Paulo explicou que foi instaurado inquérito civil para apurar a ocupação e parcelamento clandestino do solo na rua Itália Salvestro Mora, e ação fiscalizatória do município em área pertencente à Votorantim. Dessa forma, foi expedido ofício à Prefeitura para realização de vistoria e para que responda a algumas perguntas específicas sobre os fatos. O inquérito civil está em andamento e aguarda as respostas.

A Prefeitura de Votorantim, por sua vez, também informou que realizará as vistorias para obter as informações necessárias para atender ao questionamento feito pelo Ministério Público no prazo de 60 dias. Ressaltou ainda que o Incra é o responsável por eventual reconhecimento da área como quilombo, bem como, da titulação por meio de regularização fundiária. “Vale ressaltar que a municipalidade é impedida de realizar quaisquer intervenções e obras em propriedades particulares, principalmente diante de litígio estabelecido entre particulares, sobre a posse da área disputada”, finalizou o município.

Regularização fundiária

No início de maio deste ano uma equipe do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão do Governo Federal, esteve na comunidade para fazer o trabalho de campo, como cadastro de famílias, delimitação territorial, identificação de proprietários, pesquisa bibliográfica, entre outras atividades para dar início ao processo de regularização fundiária. Em março ocorreu uma reunião entre o órgão e a comunidade. Nesta etapa, os técnicos elaboram o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). O objetivo desse documento é identificar os limites das terras das comunidades remanescentes de quilombos. Durante esse processo, o Incra também notifica órgãos como o Ibama e o Ministério Público para que se manifestem sobre possíveis procedimentos existentes envolvendo as áreas em questão.