De volta ao passado

Artigo escrito por Vanessa Marconato Negrão

Por Cruzeiro do Sul

Já imaginou um prédio fugindo? Desenterrando as suas vigas de aço do chão, movendo suas camadas de concreto pelas beiradas e indo embora? Eu nunca tinha imaginado nada do tipo, até conhecer “O dia em que meu prédio deu no pé”, de Estevão Azevedo. E é ele próprio que nos explica essa ideia curiosa:

“Certa noite, eu colocava minha filha mais velha, Iolanda, então com cerca de três anos, para dormir. No momento que precede o sono, talvez para evitá-lo, Iolanda tagarelava. Já com as ideias um tanto embaralhadas, no momento em que os sonhos começam a querer tomar conta, ela me disse: ‘Papai, os prédios fugiram do Brasil’. Eu perguntei a razão e ela me disse apenas, antes de a conversa tomar um outro rumo: ‘Por causa da explosão’. Eu achei essa imagem dos prédios indo embora muito poderosa e simbólica, e fiquei com ela na cabeça. Até que me dei conta de que os prédios estavam realmente indo embora: o prédio ocupado no Largo do Paissandu, em São Paulo, o prédio construído pela milícia em Muzema, no Rio de Janeiro, o Museu Nacional etc.”

Aqui em casa rola uma conversa parecida. Meu filho gosta tanto da nossa casa e do nosso quintal que fica furioso quando alguém fala em mudança. Invariavelmente ele diz: “Só se a gente levar a casa junto” -- convicto que realmente é possível remover tudo do chão e carregar por aí.

Pois bem, a imagem de uma construção ultrapassando carros na estrada e procurando um lugar mais legal para se instalar é bem divertida, mas o que mais chamou minha atenção nessa história é que, quando os prédios vão embora, tudo começa a se inverter. Primeiro os prédios deixam as cidades, depois as casas, seguidas pelas outras construções. Só as pessoas ficam, e assim precisam encontrar um outro jeito de viver: “muita gente se mudou para o campo (à) outros preferiram as matas que restavam, porque tinha mais tronco para amarrar a rede e mais copas para se proteger do sol e da chuva”. E nessa volta às origens, coisas maravilhosas podem acontecer: “as águas dos rios e mares deixaram de ser turvas (à) os postes apagados nos devolveram as estrelas”. Já imaginou? Eu já, quase todo dia.
Um livro lindamente ilustrado por Rômulo D’ Hipólito e publicado pela Companhia das Letrinhas.

Vanessa Marconato Negrão é professora e apaixonada por literatura infantil.