Diário das Águas

Artigo escrito por Vanessa Marconato Negrão

Por Cruzeiro do Sul

Recentemente, Ailton Krenak descreveu a relação de respeito e reverência que o seu povo, os indígenas da etnia Krenak, tem com o Rio Doce, que fica às margens de sua aldeia: “Gostamos de agradecê-lo, porque ele nos dá comida e essa água maravilhosa, amplia nossas visões de mundo e confere sentido à nossa existência.” Essa fala cheia de significado faz despertar quem lê e arremata o pensamento com uma pergunta temerosa: “Será que vamos matar todos os rios? Vamos fazer com que todos esses seres maravilhosos, resilientes e capazes de esculpir pedras se convertam em risco para a vida e desapareçam?” Se depender de Gabriela Romeu, jornalista e pesquisadora das infâncias, nenhum rio jamais irá se esgotar em seu curso.

Gabriela percorreu o Brasil pelas margens das águas, e registrou num diário tudo o que viu, matutou e viveu com as crianças ribeirinhas. Assunto não faltou: relatos, verbetes, mapas, receitas, lampejos, lembranças e sobretudo, poesia. Tudo foi convertido em palavras e nas aquarelas lindas de Kammal João.

Entre tantas histórias, a que escolhi ler primeiro para meus alunos foi a de Ravel, um menino que mora nas palafitas e vê tudo alagado pela janela. Ravel já tem intimidade com a água: se ajeita na sua canoa e vai remando pelo Amazonas, acompanhado dos botos -- “bicho mais cheio de gaiatice”, como ele mesmo diz.

O diário vai da cheia à seca, do transbordo ao chão firme, do Amazonas ao Pantanal, passando pelo São Francisco. E por todo o itinerário a emoção é irremediável. Uma publicação singular da Editora Peirópolis.

Vanessa Marconato Negrão é professora e apaixonada pela literatura infantil