Um livro para acarinhar a memória
Artigo escrito por Vanessa Marconato Negrão
Eu me lembro com carinho de um grande pilão que ficava na casa da minha vó Dinha. Achava graça quando minha mãe dizia para eu não mexer na “mão” do pilão -- “mão” é o que pessoas comumente chamam de socador. Eu ficava imaginando como aquele objeto tão curioso era útil no passado. Minha mãe explicava que nele se fazia o pó dos grãos de café torrado, quirera de milho para alimentar as aves e que sua principal função era a de descascar arroz (sim, arroz antes do beneficiamento tem casca). Enfim, o pilão da minha bisavó mora na minha memória: seu contorno acinturado, a aspereza de sua madeira, o peso do socador. Uma lembrança que imediatamente veio na memória assim que eu li “Os dengos na moringa de voinha”, publicado pela Brinque Book.
Objetos assim ajudam a contar uma história e, nesse caso, quem está presente do início ao fim como testemunha do afeto entre vó e neta é uma moringa, “avermelhada igual dendê e uma barriga imensa que mais lembra o baobá do quintal”. As moringas são objetos usados para armazenar e servir água, mantendo-a sempre fresquinha, muito utilizadas em comunidades quilombolas.
O texto de Ana Fátima é entremeado com palavras de origem banto, uma língua de ascendência africana, o que reforça a ancestralidade na narração. As ilustrações de Fernanda Rodrigues, cheias de tons terrosos, aguçam ainda mais a sensação de sentir o âmago daquela família em seus dengos, cafunés e amores.
Vanessa Marconato Negrão é professora e apaixonada pela literatura infantil