O sonho de uma vida melhor na ponta de uma chuteira

Crianças de projeto social da zona norte de Sorocaba aprendem noções de humanidade em meio aos conceitos do futebol

Por Thaís Marcolino

Treinos e jogos acontecem semanalmente no Parque Amedeo Franciulli, no Vitória Régia

Se fizermos a pergunta “o que você quer ser quando crescer” em um grupo de meninas e meninos, é quase certo que, ao menos, uma resposta será: “jogador(a) de futebol”. Essa vontade pode estar interligada ao desejo de ter -- e oferecer aos familiares - uma vida financeira melhor, trabalhar em algo que gosta de fazer, além de se inspirar em grandes estrelas do gramado, como Pelé, Neymar, Cristiano Ronaldo e Messi.

Para seguir carreira, contudo, treinar bastante é necessário. Um caminho buscado para isso são as escolinhas de futebol. Porém, não são todas as crianças que conseguem ter acesso a uma. E foi vendo essa realidade não tão justa que o serralheiro Francinaldo da Cruz Santos, mais conhecido como Naldinho, criou o Projeto Social da Paz F.C. em Sorocaba.

“De tanto levar meu filho em uma escola de futebol, eu via as outras crianças com vontade de entrar numa escolinha. Mas por questões financeiras, o pai e a mãe não poderiam colocar a criança na escola. Então eu tive uma ideia de criar um projeto que fosse totalmente gratuito, sem fins lucrativos, para que pudesse atender todas as crianças”, explicou Naldinho.

Em novembro de 2015, o projeto deu o primeiro passo. No início, apenas crianças e adolescentes do bairro Santa Catarina 2, na zona norte de Sorocaba, participavam das aulas. Com o tempo, outros meninos e meninas de bairros da região, como Herbert de Souza e Vitória Régia 2 e 3 se juntaram. Hoje, depois de oito anos, a iniciativa contempla 150 alunos dessa localidade.

Se tem um aluno que não esconde o orgulho em fazer parte da equipe é o Enzo Gabriel Santos, de sete anos, filho de Naldinho. “Amo vir para cá porque além de jogar futebol, faço amigos”, disse. “Admiro muito meu pai por que ele ajuda um montão de gente”, complementou o garoto.

Os treinos e jogos oficiais acontecem, semanalmente, no campo de futebol do Parque Amedeo Franciulli, no Vitória Régia. A equipe do Cruzeirinho foi conferir um dos treinos do Sub-8 e Sub-7 (crianças de 8 e 7 anos ou menores) e, assim que chegou, viu a galerinha ansiosa para o aquecimento e para dar o primeiro chute na bola.

Se dentro de campo a ansiedade tomava conta, perto da grade estavam os pais e mães cheias de orgulho dos pequenos. A Juliana de Jesus Correa é mãe do Arthur Gustavo Correa Rodrigues, de sete anos. Ela nos contou que em 2020, através de colegas que já batiam uma bolinha no Herbert de Souza, ficou sabendo da iniciativa, seu esposo levou o filhote para conhecer e nunca mais saiu. “O que mais aprendi aqui foi a driblar. A posição que eu mais gosto é a de zagueiro, igual o Sergio Ramos. Amo vir aqui”, contou o menino.

Além de se desenvolver no futebol, o estudante teve que mudar seus hábitos na vida pessoal. “Ajudou em casa, sim. Por exemplo, ele antes não queria comer feijão por nada, mas quando o Naldinho disse que era preciso ter uma alimentação com arroz e feijão, agora come sem reclamar”, relatou Juliana.

Integrante das aulas há nove meses, Ryan Lucas Cardoso Ferreira, de 10 anos, é ainda mais feliz participando do projeto. “Gosto muito porque dá para treinar para os jogos, o treinador é demais. Eu fico triste quando não venho”, confessou o atleta. Para ir ao treino ele conta com o apoio da mãe Lilianny Ferreira Leite e da irmã Letícia que, às vezes, até entra em campo para bater uma bolinha com ele. “Apoio meu irmão sim, eu amo ele”, disse.

“O esforço para trazê-los aqui vale a pena. Deveriam existir mais Naldinhos por aí. É algo que, realmente, muda a vida não só a vida da criança, mas a nossa como família”, refletiu Lilianny.

Andrew Jardini de Souza, de oito anos, é o que chegou há menos tempo. A família se mudou há pouco tempo para a região e assim que souberam do projeto logo procuraram os responsáveis. Diferente da grande maioria que participa das aulas, o pequeno já treinou em outras escolas particulares, mas foi quando entrou no Projeto Social da Paz F.C. que pôde perceber as diferentes realidades ao seu redor e aprendeu lições para a vida.

“Teve um dia que ele chegou em casa e disse que o amiguinho não tinha chuteira. Aí ele teve a iniciativa de doar uma que tinha aqui e não usava. Despertou o senso de humanidade”, refletiu a mãe, Bárbara Jardini.

“Eu fiquei muito feliz em saber que o projeto, além do futebol, está abrindo porta para outras situações, que está ajudando as crianças, os adolescentes e até os jovens”, comentou Naldinho.

Além das crianças, o projeto acolhe as mais diversas categorias do futebol, dos cinco aos 16 anos. Cada categoria tem um um horário certo para treinar durante a semana e a organização é essencial para tudo funcionar de acordo -- inclusive nos campeonatos em que os alunos participam.

“Muitas crianças iam participar de campeonatos pagos e muitas crianças não podiam participar. E eu, na verdade, acabei criando esse projeto pensando nessas crianças, para que elas tivessem a oportunidade de ter a felicidade que as outras crianças tinham, de poder participar”, afirmou o serralheiro de profissão (e treinador por paixão).

Projeto depende de apoio para prosseguir

Com a intenção de dar oportunidade a todos que, por algum motivo não tem, o projeto não cobra nenhum real e é mantido com ajuda da comunidade e pelo esforço do próprio Naldinho. Mas não é fácil. “Vivemos de doação. É triste ver que falta a estrutura que eles merecem”, disse. Ao longo dos oito anos, o responsável pelo projeto já buscou ajuda pública e até privada, mas sem sucesso.

“A gente precisa muito de ajuda, de patrocínios, de apoiadores, vamos dizer, muito apoiadores. Enfim, a gente não tem nada, porque eu vou, muitas das vezes eu vou procurar ajuda, o pessoal pensa que é para mim e acaba não ajudando, não acredita no trabalho que a gente faz. Infelizmente é isso”, relatou.

Para o futuro do projeto, além de promover a diferença na vida dessas crianças e adolescentes, ter a estrutura que todos merecem é o que Naldinho verdadeiramente quer. “O que eu estimo para o projeto é dar qualidade para as nossas crianças. Qualidade e estrutura, é o que a gente não tem”, finalizou.

Para saber mais e ajudar o projeto, entre em contato no número (15) 98803-6914 ou pelas redes sociais do “Projeto Social da Paz Futebol Club”. (Thaís Marcolino)