Os desafios da adoção

Muitos casais sonham em se tornar pais, mas poucos sem impor limites ou condições

Por Cruzeiro do Sul

Luciana e Thiago, com a pequena alice: final feliz.

O Brasil tem cerca de cinco mil “crianças” para adoção e mais de 35 mil pretendentes na fila de espera por uma “criança” para adotar. Teoricamente este seria um problema simples de resolver: temos sete vezes mais pretendentes do que “crianças”. Mas então por que os abrigos continuam cheios? Veja que escrevi “criança” (entre aspas). E é exatamente aí que está a questão. As pessoas estão dispostas a adotar um perfil muito específico de crianças.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 51% das adoções contemplam crianças de 0 a 3 anos. Cerca de 28% das adoções são de crianças de 4 a 7 anos; 15% de 8 a 11 anos; e apenas 6% para adolescentes (acima dos 12 anos). Para completar o perfil dos pretendentes à adoção, precisamos considerar alguns fatores: 64% aceitam só crianças sem doenças; 6% aceitam adotar crianças com deficiência física e 3,22% com deficiência intelectual.

Em outras palavras: para bebês brancos e saudáveis, dos 0 aos 3 anos, existe uma fila de espera formada por pais. Para todos os outros, a fila se inverte: as crianças (e adolescentes) estão aguardando um lar.

Um estudo feito em 2018 (último antes da pandemia), apontou que 2.464 crianças e adolescentes com alguma doença ou deficiência estavam inseridas no Cadastro Nacional de Adoção. De acordo com dados do CNJ, 2.800 crianças foram adotadas naquele ano, sendo que apenas 83 tinham algum tipo de deficiência. É pouco? Sim.

Mas acredite: foi muito melhor que nos anos anteriores. Em 2017, das 2.216 adoções que aconteceram no País, apenas 68 tinham algum tipo de deficiência. Em 2016, num total de 1.728 adoções, apenas 29 foram de crianças/adolescentes com deficiência.

Quando olhamos para as estatísticas corremos o risco de esquecer que cada número representa um ser humano. Então, vou contar a história de uma das 29 crianças com deficiência que foram adotadas em 2016. Essa é a história de Luciana e Thiago, que sonhavam em ser pais.

Depois de várias tentativas e quatro abortos espontâneos por falha genética, optaram pela adoção. Como a maioria das pessoas, traçaram um perfil: criança de zero a cinco anos, sem distinção de raça ou sexo, de qualquer região do Brasil, dispostos, inclusive, a adotar grupo de irmãos.

Com este perfil, ficaram na fila por dois anos. Um dia, a Luciana foi ao fórum para saber como andava o processo e recebeu da assistente social a explicação de que o perfil escolhido era o mesmo procurado por quase todo mundo, e por isso precisariam continuar aguardando na fila.

Mas a explicação da profissional não parou por aí. Ela contou que havia adolescentes e crianças com deficiência esperando por uma família, incluindo uma menininha de nove meses com microcefalia, paralisia cerebral e epilepsia. Foi nessa hora que “tudo mudou”, como conta a própria Luciana.

Ao ouvir a história da bebê ela sentiu algo diferente. “Eu e meu marido somos da área da saúde, conhecemos muita gente, ela vai ter toda a assistência que precisa. Eu já me via mãe dela!”. Na mesma semana o casal foi conhecer a bebê e se apaixonou. Em pouco tempo a pequena Alice já estava de casa nova e com uma família para chamar de sua. A vida do casal mudou completamente.

E nas palavras de Luciana: para melhor. “Passamos a ver a vida de outra forma e a nos preocupar com coisas maiores. O mundo hoje gira em torno da nossa Alice. Eu cheguei a tirar licença-maternidade e foram cinco meses dedicados a ela. A integração foi perfeita, consulta com neuro, fono, terapia ocupacional, fisioterapia, nutrólogo, ortopedista, enfim, aquela maratona. Ela ganhou peso e correu tudo bem”.

Neste mesmo ano existiram mais 28 histórias para contar. É claro que elas ainda são raras, porém todas são reais! A pergunta agora é: quantas histórias como estas vamos escrever em 2021?


Denis Deli é jornalista, especializado na inclusão da pessoa com deficiência