A força vem do lenço
Projeto arrecada e doa acessórios para mulheres que perderam os cabelos por conta de tratamentos contra o câncer
“É como se fosse a capa da Mulher-Maravilha. Quando eu coloco o lenço, crio um poder. Ajuda muito na minha autoestima”. É assim que a designer de interiores Ana Karla Teles, de 29 anos, se sente quando usa o acessório: uma super heroína valente. Assim como nas histórias em quadrinhos, filmes e séries, Ana tem como missão combater o mal. No caso dela, o inimigo é o câncer de mama. Como a maioria das mulheres, ela perdeu os cabelos, uma das partes mais dolorosas do tratamento. Porém, graças ao projeto Doe Autoestima, da Santa de Misericórdia de Sorocaba, conseguiu encontrar conforto no processo de queda dos fios.
Criada em agosto, a iniciativa arrecada turbantes, lenços, toucas e cabelos humanos para a confecção de perucas. Posteriormente, os itens são doados às mulheres e homens em tratamento contra a doença no hospital. Segundo Talita Honório Gomes, coordenadora do setor de oncologia do hospital, o projeto surgiu, justamente, para levar alívio e elevar a autoestima dos pacientes.
Conforme ela, as mulheres, principalmente, ficam deprimidas, por conta da perda dos cabelos. Por isso, muitas vezes, algumas chegam a pensar em desistir do tratamento. “A equipe observou que, enquanto não ocorria a queda, elas estavam com todos os efeitos colaterais, mas bem. Mas, quando começava a queda de cabelo, elas perdiam um pouco a qualidade de vida e se queixavam mais. Então, decidimos fazer esse projeto para tentar ajudar”, conta.
De acordo com Talita, todos podem contribuir com a ação. Os acessórios podem ser de qualquer modelo, cor, estampa e material. Já os cabelos precisam ser naturais e sem química. Os fios são encaminhados para cabeleireiros parceiros do hospital, que confeccionam perucas. Para doar, o interessado deve ir pessoalmente à Santa Casa (avenida São Paulo, 750, Jardim Árvore Grande).
Até o momento, cerca de 30 itens já foram arrecadados e o mesmo número de pacientes foi contemplado. Os atendidos podem escolher os itens conforme os seus gostos e personalidades. Segundo Talita, a função deles vai muito além de cobrir a cabeça. São capazes, também, de resgatar a alegria, o amor próprio e a força para enfrentar a terapêutica. “Quando elas estão com a autoestima mais elevada, aceitam melhor o tratamento. Elas também vivem melhor em família, porque ficam com vergonha de estarem sem os cabelos, já que o marido vê, os filhos vêem. Às vezes, ficam até com vergonha de sair na rua”, diz.
Resgate da força
Vaidosa com os cabelos, Ana vivenciou a dor de se ver, de repente, sem eles, devido à quimioterapia, iniciada em abril deste ano. “Esse foi o momento em caiu a ficha de que eu realmente estava fazendo um tratamento oncológico”, fala. A queda a afetou tanto, que ela pensou em parar o tratamento. “Eu nunca tive cabelo curto, para se ter uma ideia. Então, eu sofri bastante, no começo. Eu tive bastante dificuldade, fiquei bastante envergonhada até de sair na rua, porque parecia que todo mundo estava me olhando”, relata.
Foi então que o projeto Doe Autoestima apareceu como a força que ela precisava. Para muita gente, lenços e toucas podem ser acessórios simples. Mas, no caso da Ana, mudaram a vida dela. “Eu fiquei até mais vaidosa. Hoje, pesquiso amarrações diferentes para fazer com o lenço. Combino com roupas e acessórios. Passo maquiagem e coloco brinco, para combinar”, diz, sorridente.
Além de melhorar a autoestima, os acessórios reativaram a esperança de Ana. “Não podemos esquecer que estamos vivos, que somos as mesmas pessoas, que somos aquelas mulheres lindas e poderosa que sempre fomos. “É tudo uma fase. Temos que ser fortes, corajosas. Logo, tudo vai passar. A fé é o mais importante, nesse momento”, considera.
Na luta contra a doença há oito anos, a autônoma Bianca Cianci da Silva, 42 anos, igualmente precisou dessa ajuda para recuperar a esperança, perdida em diversas momento. Bianca sofreu ainda mais, pois, após concluir primeiro tratamento, o câncer reapareceu. “A primeira sensação que temos é de estarmos recebendo um atestado de óbito, no primeiro momento. Nós esperamos o pior”, desabafa sobre o diagnóstico.
Assim como Ana Karla, ela precisou aprender a não enxergar o espelho como um inimigo, embora a perda dos fios quase a forçassem a vê-lo assim. “Até hoje, a minha autoestima é balançada. Eu sofro um pouco, porque eu sempre fui vaidosa, e o cabelo me faz muita falta”, revela.
Nesse sentido, os acessórios foram quase um remédio complementar para Bianca. Pelo menos, para aliviar os sintomas da baixa autoestima. “Quando nos vemos sem cabelo, ficamos totalmente transformadas. (Já) quando eu comecei a usar os lenços, fiquei com outra aparência, e não sinto mais aquela insegurança de sair na rua, de conversar com alguém, de fazer coisas simples do dia a dia. Fiquei mais autoconfiante”, conta. Agora, revigorada, ela só aceita um resultado dessa batalha: o de campeã. “Eu sempre pensei que ou meu me entregaria ou eu enfrentaria, e eu escolhi enfrentar”, pontua. (Vinicius Camargo)