Fruto da palmeira jussara pode ser 100% aproveitado como cosmético
O desafio dessa indústria é tentar buscar inovações para atender a um público preocupado com produtos ecologicamente corretos
Em sua pesquisa de mestrado, a tecnóloga em Estética e Cosmetologia Henriette Marcondes Fonseca de Marco assumiu um desafio: aproveitar 100% dos frutos da palmeira jussara em formulações cosméticas. A árvore em questão, de nome científico Euterpe edulis, é uma espécie nativa da Mata Atlântica brasileira, da qual são aproveitados, eventualmente, o óleo, a cera e as fibras; a grande estrela, contudo, é o caule dessa palmeira, que você provavelmente conhece simplesmente como palmito jussara. Já os frutos, pequenas bagas redondas de cor escura, acabam sendo descartados por falta de interesse, tanto dos produtores quanto do público consumidor em geral.
“A palmeira jussara, a princípio, era utilizada pelos indígenas residentes nas áreas de prevalência dessa espécie, da Bahia até o Rio Grande do Sul. Entre as décadas de 1930 e 1940, o palmito passou a ser comercializado in natura em feiras e mercados. Por volta de 1950, teve início a comercialização do produto industrializado, levando a uma exploração predatória do palmiteiro”, alerta a pesquisadora.
Nesse contexto, promover o cultivo legalizado e o uso integral da palmeira, do caule ao fruto, é uma forma de valorizar uma espécie nativa ameaçada de extinção. E há muitas formas de se fazer isso, várias delas sendo desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade de Sorocaba (Uniso). “A polpa dos frutos pode ser consumida como alimento, como já acontece com o açaí”, lembra Marco. “Além disso, outros nichos de mercado podem ser estimulados. Os pigmentos obtidos a partir de frutos maduros apresentam estabilidade nos processos de extração e ausência de efeitos tóxicos, o que os torna viáveis para uso como corantes naturais. Pigmentos antioxidantes naturais têm sido utilizados em alimentos, produtos farmacêuticos e cosméticos em função de suas inúmeras propriedades biológicas, além de suas propriedades de coloração.”
A primeira etapa compreendida no estudo foi a obtenção de um extrato antocianínico a partir dos frutos da palmeira. Conforme explica a pesquisadora, “as antocianinas são os corantes de maior distribuição no reino vegetal, apresentando a função de possibilitar que as flores atraiam agentes polinizadores, além de proteger os tecidos das plantas da oxidação.” Esse processo se deu por meio de uma solução alcoólica, resultando num extrato que, posteriormente, foi filtrado e transformado num pó seco. Esse pó foi então incorporado num xampu, na proporção de 0,3%.
O processo de extração resultou em dois subprodutos: fibras residuais e sementes, as quais também foram utilizadas como matéria-prima de produtos cosméticos, de modo a aproveitar integralmente os frutos. “As sementes foram lavadas e submetidas à secagem em estufa, para evitar o crescimento de microrganismos e facilitar o processo de trituração, até atingir grânulos com diâmetros análogos às microesferas plásticas que compõem os esfoliantes sintéticos. Já as fibras secas foram lavadas e igualmente submetidas à secagem, sendo então odorizadas e embaladas em tecido de algodão na forma de sachês, mostrando-se uma boa opção para a elaboração de odorizantes para ambientes”, ela descreve.
Todos os três produtos, tanto o xampu quanto a emulsão esfoliante e os sachês perfumados, foram avaliados quanto à qualidade e à estabilidade.
O potencial de aplicação da pesquisa considera o relevante mercado consumidor de cosméticos no Brasil, que é o terceiro maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, da França e da China. “Hoje, o desafio dessa indústria é tentar buscar inovações para atender à demanda de um público cada vez mais exigente e preocupado com a compra de produtos ecologicamente corretos, como é o caso dos cosméticos desenvolvidos na Uniso”, conclui a pesquisadora.
Para saber mais: De cosméticos a barrinhas de cereais
Na edição de número 3 (junho de 2019) da revista Uniso Ciência, você conferiu uma outra pesquisa de mestrado, do mesmo Programa, que viabilizou a incorporação dos frutos da jussara em barrinhas de cereais. O estudo foi conduzido pela pesquisadora Laura Isabella Lopes Favaro, que mostrou como os frutos podem ser aproveitados como alimentos funcionais, ricos em compostos bioativos.
Com base na dissertação “Valorização do fruto da jussara (Euterpe edulis Martius): aplicação em formulações cosméticas”, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação da professora doutora Marta Maria Duarte Carvalho Vila e aprovada em 20 de fevereiro de 2017. A veiculação pública da dissertação se dará somente após a publicação dos resultados na forma de artigos científicos.
Texto: Guilherme Profeta