Gamificação na sala de aula

Jogos configuram alternativa no campo das metodologias ativas

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O pesquisador Roger dos Santos, na Luderia da Uniso

Quando se tornou professor de História, em 2004 (depois de quase dez anos de experiência no ensino técnico de informática e desenho digital), Roger dos Santos passou a fazer uso de uma estratégia específica para estabelecer diálogos mais profícuos com pessoas que, normalmente, eram mais novas do que ele. Ele recorria a produções midiáticas diversas, criando associações com o conteúdo ministrado, para usar de exemplo em suas aulas. “Minha intenção sempre foi tornar mais simples a compreensão dos estudantes”, ele conta. Naquela época, as produções que ele mais costumava selecionar eram os filmes, os desenhos animados, as novelas e as músicas, mas chegou um momento, por volta de 2010, em que ele percebeu que os estudantes começaram a sugerir exemplos derivados de jogos eletrônicos com mais frequência.

“Houve uma ocasião em que eu estava dando uma aula sobre Constantinopla e uma estudante perguntou sobre determinado objeto existente naquela cidade de 1700 anos atrás”, ele relembra. “Ela sabia da existência de uma grande cisterna na cidade, como também sabia dizer onde exatamente ela estava localizada, tudo a partir de um jogo para computador. E, depois, aconteceu algo semelhante durante uma aula sobre a Revolução Francesa, quando outro estudante explicou aos colegas os detalhes, os acessos e as diferentes seções da catedral de Notre Dame. Ele nunca havia estado na catedral, mas de fato conhecera o edifício em seu jogo favorito. Porque, enquanto o cinema é contemplativo, o videogame é interação plena: o usuário transita pelo objeto, vive uma experiência multimídia a partir de algo que é resultado do fazer humano.”

Ele percebeu, assim, que os jogos funcionavam como temas geradores — conceito cunhado pelo educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997), referindo-se a palavras que servem de “gatilho” para evocar no estudante a memória a respeito de um conceito que se deseja desenvolver em aula.
Mas o que mais os jogos poderiam ser além disso? Foi a partir dessas elucubrações que Santos passou a refinar a temática que acabaria se tornando o foco de sua tese de doutorado, defendida em 2021 no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba (Uniso): a gamificação no processo de ensino-aprendizagem. Percebendo o interesse de seus estudantes por jogos, especialmente os jogos de videogame, seu objetivo se tornou avaliar se esses mesmos jogos (e também jogos de outros tipos, não necessariamente eletrônicos) poderiam ser utilizados instrumentalmente como ferramentas de aprendizagem.

Reinventando a história

Santos explica que o termo gamificação — o uso de mecânicas de jogos em situações não necessariamente lúdicas — vem sendo utilizado comumente para se referir a treinamentos praticados em contexto empresarial, aqueles que fazem uso da competitividade como estratégia de motivação. Talvez seja daí que venha a ideia (equivocada, segundo ele) de que o uso de jogos na educação é algo novo, da moda.

“Trabalhar com jogos para facilitar a aprendizagem pode até se mostrar como algo visionário, frescor da última década, como a solução que faltava para a educação, no entanto, o uso de jogos na educação formal é praticado há pelo menos cinco séculos”, corrige o pesquisador. Ele ressalta que, no século XVI, o Ratio Studiorum (termo em latim para “Plano de Estudos”) — documento elaborado pelos jesuítas com o intuito de unificar os seus procedimentos pedagógicos — já previa a utilização de jogos como uma prática educativa, pelo princípio da emulação, para compartilhar conhecimento. O que mudou, naturalmente, foram os tipos de jogos.

Mapeando práticas contemporâneas

Se a prática, portanto, não é exatamente uma novidade, como é que ela se configura hoje, quando aplicada no contexto do Ensino Superior? Para responder essa pergunta especificamente, Santos propôs um estudo de campo, participando como observador de diversas aulas de graduação conduzidas na Uniso, em cinco cursos diferentes, divididos em quatro áreas do conhecimento: Pedagogia (Ciências Humanas), Arquitetura e Urbanismo (Ciências Sociais Aplicadas), Fisioterapia (Ciências Biológicas e da Saúde), Ciência da Computação e Tecnologia da Informação (Ciências Exatas). O que todas elas tinham em comum, independentemente do curso e dos objetivos, era a inclusão de algum tipo de jogo, ou de alguma mecânica que conduzisse à sensação de estar participando de um jogo, por meio de tempos cronometrados ou de sistemas de pontuação.

Essas são características de duas metodologias semelhantes, mas que recebem nomes distintos: na metodologia conhecida como game-based learning (ou aprendizagem à base de jogos), o docente leva um jogo à sala de aula, utilizando-o como parte de sua prática; na gamificação propriamente dita, o conteúdo da aula é transformado em jogo.

“O interesse estava voltado para a aprendizagem por meio de métricas de jogos, fossem jogos tradicionais ou atividades tornadas jogos. Houve, por exemplo, um quiz de história da arquitetura, acompanhado durante a aula de um colega, que, como o nome já diz, foi um jogo de perguntas e respostas, as quais estavam baseadas na apresentação de um mosaico de 42 imagens relacionadas à arquitetura e à arte moderna. As pessoas jogavam em grupos, respondendo perguntas de base científica a respeito dessas imagens e somando pontos. Houve também, desta vez no curso de Fisioterapia, a utilização de um famoso jogo de dança para videogame: enquanto a dança ocorria, de acordo com os movimentos dos personagens na tela e conforme os jogadores iam reproduzindo tais movimentos, o professor tratava de conceitos relacionados à postura e à força muscular, representados nos movimentos conduzidos pelo jogo”, conta o pesquisador.

“Um exemplo específico de gamificação, também presente na prática de outro colega”, ele continua, “foi um jogo desenvolvido como parte de uma aula de Pedagogia, em que o professor selecionou uma lista de 12 conceitos necessários à educação no século XXI, lista essa que poderia muito bem ser fornecida como material escrito, a ser discutido da maneira tradicional, como se já se faz. Mas o professor criou uma mecânica diferente, inspirada num jogo chamado ‘Pokémon Go’ — jogo de realidade aumentada lançado em 2016, em que o jogador percorre o mundo real para caçar monstrinhos virtuais —, mas em que, em vez de caçar Pokémon, os estudantes percorriam em grupos o câmpus com os seus celulares, ‘caçando’ QR codes espalhados em locais estratégicos, como numa caça ao tesouro. Os conceitos estavam incluídos nesses QR codes e, a partir daí, a aula seguia.”

Esses são alguns exemplos, mas existem outras possibilidades, que muitas vezes aparecem em consonância (ou misturadas) às chamadas metodologias ativas, as quais compõem um amplo rol de métodos que deslocam o protagonismo do processo de ensino-aprendizagem do professor para o estudante. Para o pesquisador, os aspectos estético e afetivo dessas metodologias não podem ser negligenciados.

Críticas e ressalvas

O pesquisador alerta, contudo, que o grande risco é tratar a gamificação como uma solução mágica para a educação contemporânea, uma “bala de prata” em si mesma, o que poderia exaltar um tecnicismo desprovido da devida reflexão. “As experiências realizadas parecem indicar que a gamificação é, sim, uma ferramenta válida para uso no Ensino Superior. Mas, em primeiro lugar, deve-se considerar que o uso dos jogos em aula é algo relido, que já existia historicamente, e não uma revolução para a educação neste século”, ele adverte.

“Em segundo lugar, afirma-se a viabilidade do uso de jogos como ferramenta na Educação Superior em função da facilitação da linguagem, mas sem que se abra mão do texto escrito, do debate, da elucidação e da condução do professor, para que, nessa amplitude de abordagens, de possibilidades de construir saberes, seja possível consolidar o conhecimento construído”, Santos conclui, reforçando que a gamificação pode ser uma opção tentadora — e, se bem aplicada, muito proveitosa —, mas que ela não deve jamais surgir desacompanhada da sistematização do conhecimento e de todas as operações necessárias à aprendizagem.

Com base na tese “Educação Superior, gamificação e emulação: A dimensão estética do jogo e da aprendizagem”, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uniso, com orientação da professora doutora Maria Alzira de Almeida Pimenta e aprovada em 25 de fevereiro de 2021. Acesse: https://uniso.br/mestrado-doutorado/educacao/teses/2021/roger-dos-santos.pdf

Texto: Guilherme Profeta