Especialistas diversos discutem soluções para a crise climática

Aproveite para assistir aos vídeos completos de cada convidado do TEDxUniso

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Os eventos TEDx são desdobramentos das famosas conferências TED e têm como objetivo reunir palestrantes proeminentes em suas comunidades, para discutir ideias emergentes sobre determinados temas de relevância contemporânea. Mais de 3 mil eventos do tipo TEDx acontecem todos os anos, em 170 países. O TEDxUniso Countdown, uma das atividades que encerrou o desafiador ano de 2021 na Universidade, foi um desses eventos, em que se discutiu soluções para a crise climática. O evento foi totalmente organizado por voluntários, sob a liderança do professor doutor Thiago Simon Marques, do curso de Ciências Biológicas da Uniso. Para que a discussão possa continuar, seja em aulas voltadas à sustentabilidade ou fora do câmpus, esta edição da revista Uniso Ciência reúne os pontos principais abordados por cada um dos seis palestrantes. Confira na sequência, incluindo os vídeos completos da participação dos convidados no TEDxUniso.

Para Saber mais: TED

TED (cuja sigla, em inglês, significa “Tecnologia, Entretenimento, Design”) é uma organização sem fins lucrativos, com o espírito de promover ideias que merecem ser espalhadas, a qual teve início em 1984 e desde então cresceu para apoiar ideias que mudam o mundo. Por meio da iniciativa TED, pensadores e realizadores de todo o mundo são convidados a dar a melhor palestra de suas vidas em até 18 minutos. Muitas TED talks estão disponíveis gratuitamente no site https://www.ted.com/.

Reflorestamento é solução para duas crises
TEDxUniso: https://cutt.ly/ZB8GRA5

O professor doutor RAFAEL LOYOLA — biólogo, mestre e doutor em Ecologia; diretor científico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS); coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês); autor de mais de 200 trabalhos científicos — alerta que, quando o assunto é sustentabilidade, em especial a crise climática, não dá para fingir que não é com você.

“Das várias crises que nós temos enfrentado, como a sanitária e a econômica, por exemplo, nós temos duas que são fundamentais, e que estão por trás disso tudo: uma crise de biodiversidade e uma crise climática”, ele diz. Para compreendê-las tão bem quanto possível, ele argumenta que obter dados, por meio de pesquisa, é fundamental para monitorar o real impacto de quaisquer tentativas de remediação.

Os dados que ele apresenta foram reunidos pela BPBES: “47% dos ecossistemas mundiais estão alterados e em declínio, uma degradação que vem se acumulando pelo menos nos últimos 200 anos, o que faz com que 1/4 das espécies do mundo estejam ameaçadas. 82% das espécies conhecidas estão diminuindo, o que tem afetado particularmente populações tradicionais indígenas, que já reportaram que 72% dos ecossistemas dos quais elas dependem foram alterados. Hoje, mais ou menos 1,2 bilhões de pessoas dependem diretamente de ecossistemas naturais, que estão degradados (são 2 bilhões de hectares atingidos no mundo inteiro), então, parte da nossa tarefa é recuperar tudo isso. Recuperar 350 milhões de hectares degradados no mundo é uma meta global de grande ambição, traçada internacionalmente.”

Do ponto de vista climático, ele destaca que a grande questão é evitar as catástrofes reais anunciadas caso a temperatura média do planeta ultrapasse o limite de 2ºC em comparação àquela da era pré-industrial. Caso isso aconteça — e esse é um cenário bastante plausível (vide as discussões na Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudança Climática, ou COP26) —, 30% dos locais do planeta vão sofrer com eventos climáticos extremos, inclusive com a falta de alimentos.

A restauração é importante, conforme ele explica, porque ela funciona para ambas as crises: “quando eu restauro o ecossistema, eu consigo trazer a biodiversidade de volta, diminuindo os processos que fazem com que ela desapareça e, por outro lado, eu consigo ajudar a sanar a crise do clima, capturando carbono.”

Há uma boa notícia nesse cenário todo? De certa forma, sim: ele destaca que o Brasil tem inúmeros projetos de restauração, tanto na Mata Atlântica quanto na Amazônia, mas adverte que é imperativo acelerar e conferir escala a esse processo, antes que seja tarde demais. Restaurar 12 milhões de hectares, por exemplo, representaria mais de mil espécies saindo da lista de perspectivas de extinção, além de mais de 190 mil empregos rurais gerados pela cadeia da restauração e R$2,6 trilhões no que diz respeito ao PIB brasileiro, em decorrência da movimentação de produtos e serviços. Ou seja, não é só a natureza que ganha — como se isso já não fosse suficiente —, mas também a economia.

Sustentabilidade financeira
TEDxUniso: https://cutt.ly/sB8GFon

A bióloga ELISA MENSE — que acumula mais de três décadas em gestão de projetos sociais e ambientais e, desde 2014, faz parte da Diretoria Executiva do Instituto Arara Azul (organização sem fins lucrativos voltada à conservação da espécie no Pantanal brasileiro) — chama a atenção para a necessidade de se lembrar da sustentabilidade financeira quando se organiza iniciativas de conservação. Ela conta que sempre se sentiu atraída pelo Pantanal, que é a maior área alagada em todo o mundo, e foi lá que ela conheceu ambientalistas que trabalhavam com muito empenho para salvar suas espécies, especialmente a arara azul. Mas ela percebeu que, apesar da dedicação desses profissionais, nem sempre todos se lembravam de olhar com cuidado para as finanças.

O projeto Arara Azul, que existe há mais de 30 anos e é reconhecido no mundo todo por cuidar da preservação de uma espécie muito suscetível à extinção, é um caso que serve como modelo, especialmente uma das campanhas realizadas pela organização: o projeto “Adote um Ninho”.

Ela explica que, por meio dessa iniciativa, qualquer pessoa pode contribuir financeiramente e adotar (simbolicamente) filhotes de araras e de outras espécies de aves, podendo acompanhar informações em tempo real sobre o que está acontecendo nos ninhos mantidos com seu dinheiro e até batizar os filhotes que vierem a nascer neles. “O turista vem, acompanha os nossos projetos de conservação, que são apresentados numa linguagem simples, e depois ele leva para sua cidade ou país de origem essa importância de proteger uma espécie como a arara azul, ou outras, para o ecossistema como um todo.” A lição que podemos tirar desse exemplo, segundo ela, é que não necessariamente precisamos depender de governos para obter recursos financeiros. “É muito importante que um projeto gere conhecimento e que esse conhecimento seja levado para diferentes esferas públicas”, ela conclui.

Mercado de créditos de carbono
TEDxUniso: https://cutt.ly/1B8GCQI

O especialista em Economia LUIS FELIPE ADAIME — fundador do fundo de ações Armadillo Capital Management, mas que deixou o mercado financeiro em 2020 para fundar a MOSS (empresa que opera a intermediação de créditos de carbono com a missão de preservar a Floresta Amazônica) — convida você, leitor, a bater palma cinco vezes. “Por quê?”, você pode estar se perguntando. Porque, durante o tempo que você levou para fazer isso, cinco hectares de florestas foram perdidos em todo o mundo.

“Isso”, ele diz, referindo-se ao desmatamento desmedido, “combinado ao nosso vício por combustíveis fósseis, tem levado a uma elevação absurda dos níveis de gás do efeito estufa. Baixar os níveis de emissões desses gases em mais da metade até 2030 é o maior desafio que a humanidade já teve. Significa diminuir as emissões em 25 bilhões de toneladas, o que equivale a uma bola de gás do tamanho da lua, que nós estamos liberando na atmosfera a cada sete anos. Se não fizermos isso, teremos um cenário de catástrofe completa, e os primeiros sinais disso nós começamos a ver com as enchentes que aconteceram na Alemanha, os incêndios na Califórnia e na Austrália, os incêndios no Pantanal...”.

Adaime tem uma filha de dois anos, a Olivia, e ele ressalta que, se nada for feito, tanto a Olivia quanto bilhões de outras crianças viverão num mundo em que as cidades litorâneas estarão debaixo d’água quando elas tiverem passado dos 50 anos de idade. Faltará comida e as pessoas terão de viver longe das zonas tropicais (a América Latina, a África e o Sudeste Asiático), porque essas regiões estarão inabitáveis.

Como evitar que isso aconteça? Uma das saídas, e a que ele defende, é o mercado de crédito de carbono. “Créditos de carbono”, ele explica, “são certificados digitais que comprovam que uma empresa, por exemplo, evitou por meio de suas atividades a emissão de gás de efeito estufa.” Um parque eólico ou solar, mesmo não retirando CO2 da atmosfera, gera créditos de carbono ao evitar que outras fontes de energia sejam necessárias (como as usinas termoelétricas movidas a carvão).

“Ao evitar essa poluição”, Adaime continua, “você gera esses certificados digitais e as grandes empresas do mundo compram isso de você. É o caso da Tesla, que certifica o trabalho de evitar emissões por meio da produção de carros elétricos e vende esses créditos para outras empresas do setor (como a Ford e a Volkswagen, por exemplo, que produzem carros a combustão). E por que essas empresas estão comprando isso? Primeiramente porque as grandes economias do mundo são reguladas, ou seja, os seus governos estabelecem um limite e forçam com que as empresas que operam acima desse limite compram créditos de carbono de empresas que operam abaixo. É assim que funciona nas maiores economias, incluindo a China a partir de 2021.”

Além disso — e isto é muito importante! —, vale lembrar que existem empresas que, mesmo não sendo obrigadas, estão comprando esses créditos (até de projetos de conservação, que também podem ser certificados) porque existe uma exigência por parte dos consumidores e acionistas, principalmente de gerações mais novas, que as pressionam a comprovar suas iniciativas amigáveis em relação ao meio ambiente.

Uma nova economia
TEDxUniso: https://cutt.ly/rB8G4BL

O executivo TIAGO ANGELO ALVES — CEO do Brasil na Regus & Spaces (empresa especializada em espaços e designs corporativos) e palestrante sobre temas como economia compartilhada, futuro do trabalho e inovação — chama a atenção para as mudanças nas relações de trabalho causadas, ou aceleradas, pela pandemia de Covid-19, principalmente em relação ao deslocamento.

“Se tem uma coisa que a pandemia e a prática do home office mostraram”, ele diz, “foi que não existe mais a necessidade de a gente se deslocar tanto de um lugar para o outro. Uma pessoa acorda todos os dias e tem de mover 1.500 kg de aço movidos a gasolina para deslocar somente 80kg de carne — elas mesmas —, rodando poucos km para pegar um pão na padaria, ou seja, 200g de massa, e depois fazendo todo o trajeto de volta. Isso porque hoje esse é o modal mais utilizado pelas pessoas, um deslocamento ineficiente e que ainda polui o meio ambiente. Pensem se isso faz sentido.” Se a sua resposta for não, provavelmente a próxima pergunta será: como é que tudo isso pode ser feito de um jeito diferente?

O trabalho do futuro (e consequentemente a mobilidade do futuro) acontecerá em cidades do futuro e, para explicar o que quer dizer com isso, Alves resgata o conceito de “cidades de 15 minutos”, aquelas em que, hipoteticamente, um cidadão poderá suprir qualquer um de suas necessidades com um deslocamento máximo de 15 minutos.

O que ele defende é que esse tipo de configuração urbana só pode existir dentro de um conceito de economia 4.0, aquela que é galgada em alguns pilares: o compartilhamento de serviços com outros membros da comunidade, o que marca a transição de consumidores para usuários; o compartilhamento dos benefícios desses serviços, sem deixar de lado o pilar financeiro, uma vez que tais serviços continuam sendo negócios pelos quais as pessoas estarão dispostas a pagar; as mudanças culturais decorrentes dessas novas formas de negócio e, naturalmente, a consequente diminuição do uso de recursos naturais.

O futuro da mobilidade é elétrico
TEDxUniso: https://cutt.ly/AB8HyDh

O automobilista brasileiro LUCAS TUCCI DI GRASSI — 30º brasileiro a correr na categoria F1, em 2010, e hoje piloto da Fórmula E pela equipe ROKiT Venturi Racing — relembra que, a exemplo de muitos brasileiros, ele tinha Ayrton Senna como ídolo quando era criança. Foi isso que o levou a ser piloto, começando no kart, depois passando para a Fórmula Renault, depois para a F3 (categoria em que foi campeão mundial), depois para a F2 (em que foi vice-campeão mundial) e finalmente para a F1. Depois disso, ele passou a correr com carros híbridos, até 2012, quando teve a oportunidade de participar da criação da FE, que é uma modalidade parecida com a F1, mas com bateria e motores completamente elétricos.

E o que tudo isso tem a ver com sustentabilidade? Ele explica: “O automobilismo sempre serviu a dois propósitos muito importantes: o primeiro, naturalmente, é o entretenimento, mas a corrida também serve como desenvolvimento tecnológico e, na FE, a gente já percebeu desde 2012 que o futuro da mobilidade urbana será elétrico, ou seja, baseado em veículos de emissão zero.”

Ele ressalta que é claro que a transição não vai acontecer do dia para a noite, mas é preciso começar de algum lugar: “Onde é mais eficiente a gente usar veículos elétricos hoje? Onde os veículos são usados de forma mais constante. Seriam carros individuais? Não. A gente tem que fazer primeiro essa transição em veículos que são usados durante muitas horas por dia, veículos de frota comercial: as vans de logística, principalmente nas áreas urbanas, e os ônibus e caminhões.”

Assim, ele defende que os veículos comerciais e públicos devem ser os primeiros a ser substituídos. Não tardará a chegar o dia, no entanto, em que automóveis movidos a combustão serão coisa do passado.

A vida não está à venda
TEDxUniso: https://cutt.ly/BB8HdYJ

A ativista PALOMA COSTA — assessora do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) na temática Clima, membro da Coalizão Feminista para Ação Climática da ONU Mulheres e reconhecida pela mídia como uma influenciadora contemporânea quando o assunto envolve questões climáticas — foi uma das brasileiras que esteve na COP26, clamando por aquilo que chama de justiça climática, um conceito que, apesar de não definido, é fácil de ser compreendido na prática; segundo ela: “significa a gente não ter de estar preocupado pela nossa vida estar sendo ceifada diante de nós.”

Sobre os resultados da conferência, ela infelizmente não discorre com empolgação: foram “não-resultados”, diz, especialmente considerando-se que a COP26 aconteceu movida pela urgência das últimas projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que apontaram cinco cenários possíveis para o clima no planeta Terra até o ano 2100, cenários esses que variavam de “exemplar” (com as emissões de CO2 zeradas até 2050, o que levaria a um aumento de 1,4ºC na temperatura média global) a “catastrófico” (com as emissões dobradas no mesmo período, o que levaria a um aumento de mais de 4ºC e a um cenário terrível como aquele que Adaime mencionou).

Em sua fala, Costa referencia A Queda do Céu — obra assinada pelo xamã yanomami Davi Kopenawa e pelo etnólogo francês Bruce Albert, que relata a destruição da floresta amazônica e questiona os ideais contemporâneos de desenvolvimento e progresso —, para defender que a vida não é um produto que está à venda. “A gente bem sabe que, se quisermos lutar contra essa ‘queda do céu’, cada um que vem para somar é o que faz com que esse céu continue aí, sobre as nossas cabeças. Nós não somos líderes de um futuro; na verdade nós somos líderes do agora e esse presente é sim uma máquina de fazer futuros. Nós não podemos ficar esperando mais nada”, ela conclui.

Texto: Guilherme Profeta