Permanência estudantil e o fazer da ciência

Responsabilidade pertence a toda a comunidade acadêmica

Por

Amethaphum

Se houvesse uma receita para fazer um cientista, o tempo com certeza seria um ingrediente fundamental. Isso porque, conforme defende o professor doutor José Martins de Oliveira Junior, Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Inovação da Universidade de Sorocaba (Uniso), não se pode pensar no curto prazo quando se fala em pesquisa.

“A maioria dos projetos costuma levar anos, principalmente nas áreas que envolvem problemas de cunho social ou ambiental — já que entendê-los em profundidade geralmente leva tempo”, ele diz. “Nesse processo, é bastante comum que o estudante inicie sua carreira como pesquisador ainda durante a graduação, com projetos de Iniciação Científica, e só se desligue da instituição no pós-doutorado, que tem justamente esse objetivo: o de “romper o cordão umbilical” que liga o pesquisador ao seu orientador. No Brasil, somando-se o tempo total para o percurso formativo de um pesquisador, da graduação ao pós-doutorado, temos algo em torno de oito a dez anos, o que responde de pronto o porquê de a permanência estudantil ser crucial para o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da inovação.”

Trocando em miúdos, perde-se o potencial de fazer ciência se os estudantes não forem estimulados a se tornar cientistas, mas também se os candidatos a pesquisadores deixarem a universidade, por qualquer razão que seja, antes de passarem por todo esse longo ciclo. E são muitas as razões que podem dificultar ou impedir a permanência estudantil nas universidades, especialmente para aqueles que não se caracterizam como herdeiros.

Dessa forma, a discussão sobre permanência estudantil não pode ser separada da discussão sobre o acesso à universidade. “Permanecer estudando é o segundo passo depois de ingressar numa universidade”, diz o professor doutor Rafael Ângelo Bunhi Pinto, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uniso. 

Além das questões financeiras

Políticas financeiras, quando são mantidas pelas próprias instituições, naturalmente estão sob o controle da alta gestão das universidades, mas Bunhi Pinto defende que é um erro da comunidade acadêmica pensar na permanência estudantil como uma responsabilidade exclusiva dos gestores. “Eu entendo que a permanência está relacionada a um conceito central: a identidade. Se eu, estudante, entro num determinado curso, eu tenho, para poder seguir meu caminho nessa área do conhecimento, de me identificar com aquilo que o curso proporciona, principalmente com os componentes curriculares que estão sendo oferecidos logo no início. Note que o currículo não é construído pela gestão, mas coletivamente: por cada professor, pelo colegiado e, por fim, pelos conselhos universitários. E vale lembrar que o currículo não é só uma grade de disciplinas (divididas entre práticas e teóricas, gerais e específicas etc.), mas um conceito mais abrangente, que envolve todas as práticas que o aluno vai desenvolver dentro da universidade, inclusive a pesquisa.” Pensar no vínculo entre graduação e pós, assim, deve ser parte integrante do movimento de pensar o currículo de cada curso.

“Garantir a permanência, ou, em outras palavras, evitar a evasão, é uma questão atrelada à nossa missão institucional de promover transformações sociais”, acrescenta o professor doutor Rogério Augusto Profeta, Reitor da Uniso, defendendo que, se a universidade for capaz de acolher esses intelectuais em formação — não só os herdeiros, mas também aqueles que vêm das margens, sem deixar que eles se percam no longo caminho de formação de um pesquisador —, existe um grande potencial de vínculo entre as pesquisas desenvolvidas na academia e a resolução de problemas identificados no seio das próprias comunidades, resultando, assim, em mudanças de fato necessárias para o desenvolvimento social.

“Entendemos que precisamos apoiar o nosso estudante nesse processo de conquistar seu grau acadêmico no Ensino Superior, e esse apoio passa por ações de ordens financeira (como as bolsas e os financiamentos), acadêmica (como a questão dos currículos e programas de Iniciação Científica) e até mesmo psicológica — principalmente no pós-pandemia —, o que nos leva à questão do bem-estar no câmpus. Esse também é um aspecto essencial. A universidade, para que as pessoas sejam engajadas a continuar estudando, e consequentemente para que a ciência possa florescer, precisa ser um local receptivo, inclusivo, agradável, bonito e seguro, em que os estudantes gostem de estar, de socializar, e em que aconteçam muitas coisas além do ensino, como um grande hub, um ponto de encontro de pessoas e, por consequência, de ideias”, conclui Profeta.

Para saber mais: os herdeiros

O termo, nesse contexto da Educação Superior, foi cunhado pelos sociólogos franceses Pierre Bourdieu (1930—2002) e Jean Claude Passeron, numa obra intitulada “Os Herdeiros: os estudantes e a cultura” (no original, “Les héritiers: les étudiants et la culture”), publicada originalmente em 1964. O termo herdeiros faz referência àquele grupo de indivíduos para o qual a formação acadêmica é dada como certa, uma vez que eles já advêm de um estrato social privilegiado, cujo acesso à universidade é historicamente garantido, diferentemente daqueles estudantes que, por exemplo, constituem a primeira geração a chegar nesse nível de ensino, como costuma acontecer frequentemente em universidades comunitárias como a Uniso.

Texto: Guilherme Profeta