Pesquisa confirma contaminação por chumbo na zona industrial de Sorocaba

Cascas de diferentes espécies de árvore foram coletadas em diferentes pontos da cidade para análise

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Estudo detectou concentração de chumbo superior a 100 µg/g em amostras retiradas de árvores em frente à fábrica da Saturnia S. A.

Conforme avançam os efeitos antrópicos sobre os ecossistemas terrestres — e isso vem acontecendo em todo o mundo, de forma desmedida e em diferentes níveis de intensidade (vide os recentes compromissos assumidos pelas nações para acelerar a transição para fontes renováveis de energia, reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, interromper o desmatamento etc.) —, aumenta também a necessidade de se desenvolver mecanismos e métodos para avaliar o impacto exato das ações humanas e, assim, propor novas soluções para esses problemas. Nesse sentido, a utilização de bioindicadores é uma realidade há várias décadas.

Os chamados bioindicadores são seres vivos, sejam eles animais ou vegetais (ou mesmo partes deles), que podem ser utilizados para avaliar a qualidade de dado ambiente, ou seja, os seus níveis de preservação e contaminação. Materiais vegetais provenientes de árvores urbanas, por exemplo, vêm sendo utilizados para tais fins em diversos estudos, mas nem sempre os métodos de análise são suficientemente práticos e acessíveis do ponto de vista financeiro, não raro demandando equipamentos caros e complexos. Contudo, não é esse o caso da técnica empregada por uma equipe de nove pesquisadores da Universidade de Sorocaba (Uniso) — os professores doutores Valquiria M. Hanai-Yoshida, Nobel P. de Freitas, Norberto Aranha, Marta M. D. C. Vila, Victor M. C. F. Balcão e José M. de Oliveira Junior, além do professor mestre Denicezar A. Baldo e das professoras (externas à Uniso) Cristiane R. G. Caldana e Thais H. Paulino, que concluíram, respectivamente, o mestrado em Processos Tecnológicos e Ambientais e o doutorado em Ciências Farmacêuticas na Uniso, em 2022.

O método que eles utilizaram para analisar a contaminação ambiental por meio de material vegetal foi a fluorescência de raios-X (ou XRF), que consiste na aplicação de um feixe de radiação para estimular os elétrons presentes nas camadas mais internas ao redor do núcleo dos átomos, fazendo com que fótons sejam emitidos e registrados por detectores espalhados ao redor das amostras. Por meio dessa técnica, torna-se possível identificar os elementos químicos presentes em diversos tipos de amostra, neste caso, em cascas de árvores urbanas, obtidas em diferentes pontos da cidade de Sorocaba, de modo a avaliar o nível de contaminação no ambiente urbano do município. Os resultados do estudo fazem parte de um artigo publicado em janeiro de 2023 no periódico científico internacional Chemosphere, fruto da dissertação de Caldana.

“Os resultados obtidos nesse estudo evidenciam que a fluorescência de raios-X simplifica drasticamente a análise química de amostras ambientais provenientes de árvores e de solo, pois ela é simples de executar, o equipamento é acessível, a preparação da amostra não é complicada e a técnica permite análises multielementares, podendo identificar a presença de elementos e quantificá-los em qualquer faixa de concentração”, destacam os autores, no artigo.

Métodos e Resultados

Cascas de diferentes espécies de árvore — ipê (família Bignoniaceae), sibipiruna (família Fabaceae) e pinheiro (família Pinaceae) — foram coletadas em diferentes pontos da cidade, passando então por um processo de limpeza, para remoção de impurezas, e secagem em estufa. Depois, elas foram trituradas e prensadas em formato de pastilha, antes de serem inseridas no equipamento de análise por XRF. O mesmo procedimento foi conduzido com cascas obtidas em árvores da Mata Atlântica, no município de Juquitiba (localizado a cerca de 70 km de Sorocaba), as quais foram utilizadas como amostras de controle, de modo a comparar os níveis de contaminação presentes em áreas urbanas e numa floresta nativa, comprovadamente menos degradada.

Os pesquisadores identificaram que as amostras foram compostas, em média, por 93% de celulose (uma ocorrência esperada quando se analisa qualquer material vegetal). Os outros 7%, por sua vez, corresponderam aos elementos químicos de interesse, que podem variar de acordo com as próprias espécies e com as condições ambientais. De modo geral, constatou-se que as cascas de sibipiruna tendem a acumular elementos contaminantes em maiores concentrações do que as cascas de ipê, sinalizando que, para o uso desses materiais como bioindicadores, essa árvore seria a mais indicada — exceto se a intenção for analisar especificamente a contaminação por chumbo, uma vez que os pinheiros foram as árvores cujas cascas mais absorveram esse elemento, assim destacando, também, a aplicabilidade dessa espécie, dependendo da pesquisa a ser desenvolvida.

O que foi possível perceber pelo estudo foi o fato de diferentes localidades no município apresentarem diferentes padrões de contaminação. As amostras de cascas de árvore coletadas na região central da cidade (na Avenida General Carneiro), por exemplo, apresentaram em sua composição química todos os elementos que os pesquisadores normalmente esperam encontrar em regiões urbanas contaminadas pelo tráfego de automóveis: alumínio, cálcio, potássio, silício, enxofre, ferro, manganês, titânio, cromo e chumbo, todos em concentrações superiores àquelas encontradas nas amostras de controle (ou seja, na floresta nativa). No caso do chumbo, algumas das amostras continham concentrações superiores a 30 µg/g (microgramas por grama), que é o limite a partir do qual o chumbo passa a ser tóxico para a maioria das espécies de árvore.

Mas esse não foi o achado mais importante, pois algumas das amostras de cascas de sibipiruna e pinheiro coletadas em outro ponto da cidade, na zona industrial do município (mais precisamente no bairro do Éden), apresentaram impressionantes concentrações de chumbo, superiores a 100 µg/g, além de altas concentrações de enxofre e bário, que, dependendo da concentração, também podem ser tóxicos para a vida vegetal e animal (incluindo a humana).

Denúncia

Os pesquisadores explicam que o chumbo, em sua forma metálica (Pb) e também como óxido (PbO2), é o principal elemento utilizado no processo de fabricação de baterias automotivas, o que explica o porquê de as amostras da zona industrial apresentarem concentrações tão elevadas desse elemento químico. Isso porque as cascas de árvore consideradas no estudo foram coletadas em frente à antiga fábrica de baterias da Saturnia S. A., localizada no bairro do Éden até 2011, quando suas atividades foram encerradas. Desde então, a imprensa local vem denunciando a provável contaminação ambiental daquela área, mas os autores da pesquisa enfatizam a necessidade de oferecer à população de Sorocaba uma resposta definitiva — e amparada cientificamente — sobre a extensão dessa contaminação.

“As extensas análises realizadas mostraram que as amostras provenientes da zona central da cidade apresentaram ampla gama de elementos químicos em altas concentrações, indicando que, nessa região, existe contaminação por poluentes devido a atividades antrópicas como a queima de combustíveis fósseis, o revestimento de asfalto, o desgaste de pneus e de peças mecânicas de automóveis, entre outras fontes. Já em relação ao bairro do Éden, esse foi o primeiro relatório científico que comprovou, sem sombra de dúvida, que o solo e as árvores daquele bairro, principalmente aquelas localizadas em frente à antiga fábrica de baterias automotivas Saturnia S. A., apresentam altos níveis de contaminação por chumbo”, declaram os autores.

Metais pesados como o chumbo são elementos que não podem ser eliminados pelo organismo sem intervenções externas, de modo que, se ingeridos ou absorvidos de outras formas, tendem a se acumular paulatinamente, muitas vezes silenciosamente, ao longo dos anos. No caso específico do chumbo, se for absorvido pelo organismo humano além de certo limiar, o metal pode danificar órgãos vitais como o rim e o cérebro. Segundo Paulino, uma das autoras do artigo — e que já havia estudado em seu mestrado, também na Uniso, a contaminação de plantas medicinais por metais pesados —, “a exposição aguda ao chumbo pode causar perda de apetite, dor de cabeça, hipertensão, dor abdominal, disfunção renal, fadiga, insônia, artrite, alucinações e vertigem. Já a exposição crônica pode resultar em retardo mental, defeitos congênitos, psicose, autismo, alergias, dislexia, perda de peso, hiperatividade, paralisia, fraqueza muscular, danos cerebrais, danos nos rins e até mesmo a morte.”

Os pesquisadores defendem, assim, que a pesquisa serve de alerta, tanto à população quanto ao poder público de Sorocaba, sobre os potenciais riscos à saúde daqueles que habitam e transitam pela zona industrial do município, bem como sobre os efeitos das ações antrópicas sobre os ecossistemas de forma mais ampla, que ficam claros quando os bioindicadores urbanos são comparados àqueles obtidos em áreas preservadas.

Para saber mais: árvores urbanas

As árvores urbanas — sejam elas espécimes nativos preservados ou frutos de projetos paisagísticos — cumprem diversas funções, conforme destaca Caldana: elas contribuem para a melhoria do microclima local, a redução de ruídos, a disponibilização de alimento e abrigo para a fauna e até mesmo para o embelezamento das cidades. Além de tudo isso, elas retêm poluentes atmosféricos, servindo como “filtros” viventes. Como se tudo isso não bastasse, e como demonstra o estudo conduzido pelos pesquisadores da Uniso, as árvores urbanas também cumprem a função de bioindicadores, possibilitando a detecção de contaminantes muitas vezes silenciosos. Para ler outras reportagens sobre reflorestamento e as funções desempenhadas pelas árvores, siga os links abaixo:

Especialistas diversos discutem soluções emergentes para a crise climática (jun./2022) 

Experiências sustentáveis promovem compensação de carbono dentro e fora do câmpus (dez./2021) 

Desenvolvimento sustentável: Como a Uniso transformou uma pastagem infértil num refúgio para a biodiversidade (jun./2021)

Para acessar a reportagem sobre o estudo, “Plantas medicinais processadas podem estar contaminadas por metais pesados”, publicada na edição de número 5 (jun./2020) da revista Uniso Ciência 

Com base no artigo “Evaluation of urban tree barks as bioindicators of environmental pollution using the X-ray fluorescence technique”, publicado na edição de número 312, parte 2, de janeiro de 2023, no periódico Chemosphere, de autoria dos seguintes pesquisadores: Cristiane R. G. Caldana, Valquiria M. Hanai-Yoshida, Thais H. Paulino, Denicezar A. Baldo, Nobel P. de Freitas, Norberto Aranha, Marta M. D. C. Vila, Victor M. C. F. Balcão, José M. de Oliveira Junior.

Siga o link para ler o artigo original (em inglês): https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S004565352203750X?via%3Dihub

Texto: Guilherme Profeta