Cogumelos podem ser utilizados na remoção de fármacos da água de esgoto

Essa tecnologia une duas vantagens: baixo custo e o fato de ser ecologicamente favorável

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A pesquisadora Josilene de Jesus Menk opera um agitador no Lapetox, na Uniso, numa das etapas do processamento de suas amostras de cogumelos

Muitos produtos farmacêuticos passam pelo corpo humano ou animal sem ser metabolizados, sendo excretados, geralmente pelas fezes ou pela urina, sem qualquer tipo de biotransformação. Pode parecer um problema irrelevante, mas não é, especialmente quando se considera que até 90% de alguns fármacos retornam ao meio ambiente incólumes, dependendo do seu nível de biodegrabilidade, podendo causar uma série de problemas ambientais. Isso vem acontecendo pelo menos desde a década de 1970, quando as primeiras documentações aconteceram nos Estados Unidos.

O 17-etinilestradiol, por exemplo, é um hormônio utilizado em contraceptivos orais, na reposição do estrogênio e na suspensão da amamentação. Pode ser encontrado com frequência, ainda que em baixa concentração, em águas superficiais e residuais (aquelas que contêm resíduos industriais e/ou domésticos), o que causa interferência nos sistemas endócrinos de espécies aquáticas diversas — na literatura científica, há evidências da diminuição na taxa de eclosão de ovos de pássaros, peixes e tartarugas expostos ao 17-etinilestradiol, além de alterações no sistema reprodutivo de répteis, pássaros e mamíferos, e outros efeitos negativos. Já o paracetamol dispensa apresentações: é um analgésico e antipirético muito conhecido e utilizado em todo o mundo, o que não é exceção no Brasil, mas que pode levar a alterações no sistema nervoso de mamíferos uma vez presente na água, segundo estudos realizados em ratos.

Tanto o 17-etinilestradiol quanto o paracetamol foram os fármacos considerados na pesquisa de mestrado da engenheira ambiental Josilene de Jesus Menk, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade de Sorocaba (Uniso) sob orientação da professora doutora Denise Grotto. O que ambos têm em comum é o fato de geralmente não serem removidos da água pelos tratamentos convencionais de esgoto. Além dos efeitos nocivos aos animais que habitam os rios e à cadeia alimentar por inteiro, existem também os efeitos diretos à saúde humana, uma vez que esses fármacos não metabolizados podem retornar à água potável que sairá pela torneira da sua cozinha, se não forem previamente tratados — o que hoje geralmente não acontece.

“O tratamento convencional de água e esgoto emprega procedimentos que retêm alguns compostos orgânicos e inorgânicos, como metais, mas não são específicos para a remoção de fármacos. O processo de adsorção, que consiste na aderência de uma substância líquida ou gasosa à superfície de um sólido, e que pode dar conta da filtragem de fármacos, faz parte do tratamento terciário, ou seja, aquele que tem como objetivo a remoção de poluentes mais específicos”, explica a pesquisadora.

Biossorção por cogumelos

Menk diz que a biossorção é uma tecnologia alternativa para o tratamento de águas residuais, que une duas vantagens: o baixo custo e o fato de ser ecologicamente favorável quando comparada a outras técnicas disponíveis. “As pesquisas atuais nesse campo demonstram que diferentes tipos de biossorventes interagem com corantes, metais pesados e outras substâncias orgânicas, removendo com grande eficiência esses contaminantes de meios aquosos”, ela conta. Dentre os biossorventes conhecidos, podem ser utilizados os bagaços da cana-de-açúcar e do malte, as cascas de frutas como a laranja e a banana, microalgas, resíduos de tomate, entre outros. As possibilidades são muitas.

Em sua pesquisa, Menk verificou a eficiência de duas espécies de cogumelos, o champignon (Agaricus bisporus) e o shiitake (Lentinula edodes), provando que ambos podem ser utilizados como adsorventes para remover o 17-etinilestradiol e o paracetamol de águas residuais. Isso se dá, muito provavelmente, devido à quitina e à quitosana, biopolímeros que estão presentes nos cogumelos e possuem alta capacidade de adsorção. Graças a tais propriedades, os cogumelos já foram utilizados em outros estudos para a adsorção de corantes, chumbo e praguicidas.

Nos inúmeros testes desenvolvidos no Laboratório de Pesquisa Toxicológica (Lapetox) e outras instalações da Uniso, os cogumelos, quando comparados a outras alternativas de biossorventes (como o carvão ativado granular e o carvão de coco de dendê), demonstraram um desempenho bastante favorável. “Foram os talos do champignon, por sua vez, que se sobressaíram, demonstrando uma capacidade de adsorção até três vezes maior para o 17-etinilestradiol e de 5 a 10 vezes maior para o paracetamol”, destaca a pesquisadora. “Assim, entendemos que os talos do cogumelo champignon podem ser considerados uma fonte alternativa promissora para a extração de quitina e quitosana, estimulando a indústria biotecnológica com base nos métodos avançados para adsorção de medicamentos em meio aquoso”, ela conclui.

Além dos bons resultados nos testes, uma vantagem que a pesquisadora destaca no uso do champignon é o aproveitamento de partes que normalmente são descartadas no processo de produção dos cogumelos, como os talos e eventualmente o próprio substrato: “A utilização de resíduos naturais no tratamento de efluentes pode ser útil não só para o meio ambiente, auxiliando no problema da eliminação dos resíduos sólidos gerados, mas também na economia, com um novo aproveitamento do que seria descartado.”

Os resultados da dissertação podem ser conferidos, também, na edição de dezembro de 2019 do periódico internacional Chemosphere (em inglês). Basta seguir o link.

Para saber mais: Outras possibilidades de filtragem

Na edição de número 3 (junho/2019) da revista Uniso Ciência, você conferiu outra reportagem sobre o assunto, “Hormônios na sua água potável e como removê-los”, baseada na dissertação de mestrado da pesquisadora Márcia Regina Teles Bovo. O estudo foi defendido num outro programa de pós-graduação da Uniso, Processos Tecnológicos e Ambientais. Bovo também propôs um sistema de filtragem, baseado em carvão ativado de casca de coco, que tem o potencial de ser escalonado e incorporado nos sistemas das companhias de saneamento para a adsorção de dois hormônios sexuais: o 17--estradiol e o 17--estradiol, ambos desreguladores endócrinos, ou seja, substâncias que, quando presentes no ambiente, podem alterar o sistema hormonal de seres humanos e animais.

Com base na dissertação “Biossorção de medicamentos por cogumelos”, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Uniso, com orientação da professora doutora Denise Grotto e aprovada em 30 de janeiro de 2019. A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, projeto 2016/22873-4). Acesse.