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Nelson Fonseca Neto

Noel e a grana

Pouco provável que uma nova edição saia, infelizmente. E foi assim que gastei quase quatrocentos reais num livro há dois anos

31 de Agosto de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Coisa de dois anos atrás, cometi uma loucura. Gastei quase quatrocentos reais num livro. Obra rara, daquelas que vão ganhando contorno de lenda. Trata-se da monumental biografia do Noel Rosa, escrita por João Máximo e Carlos Didier.

Lá pelo começo dos anos 2000, tive a chance de conhecer a biblioteca de José Mindln, numa casa gostosa no Brooklin, em São Paulo. Passei algumas horas ali. Vi primeiras edições de clássicos da literatura brasileira. A gente fica meio emocionado nessas horas.

Gosto e preciso dos livros, mas nunca fui entusiasta das raridades. Se eu fosse muito rico, acho que não seria diferente. É o caso de colocar na conta do meu desleixo para com os objetos. Os livros que leio têm as páginas dobradas nos trechos que me interessaram no momento da leitura. Alguns volumes estão abundantemente anotados.

Fico admirado ao ver bibliotecas pessoais organizadas por áreas de conhecimento e, dentro dessas áreas, em ordem alfabética. Aqui em casa, Machado de Assis está ao lado de Simenon. Luis Fernando Verissimo ao lado de Turguêniev. E assim vai. É por isso que boas surpresas acontecem quando gasto um tempinho olhando para as prateleiras que abrigam nossos livros.

Se não sou um farejador de obras caras, fico feliz quando me deparo com um livro obscuro que se mostra delicioso de ler. Creio que há dois grandes prazeres que movem os frequentadores de sebo. O primeiro deles é encontrar uma obra há muito tempo desejada. Aconteceu comigo quando comprei um romance de Isaac Bashevis Singer. O segundo prazer surge quando um título chama nossa atenção, gastamos uns minutos lendo as primeiras páginas e percebemos que fomos fisgados pelo autor. Aconteceu comigo quando vi o maravilhoso “A lista de Ailce”, do Herbert de Souza, o Betinho. (Não digitei errado: é “Ailce” mesmo, e não “Alice”.)

Paguei barato pelos dois livros que acabei de mencionar. O livro do Bashevis Singer não foi uma descoberta. Eu já havia lido outras coisas deles. Comprar qualquer coisa dele é apostar no cavalo certo. Coisa diferente foi o livro do Betinho. Eu cresci acreditando que o Betinho foi uma das grandes figuras brasileiras do século 20. Não sabia que ele era um escritor de fino trato. Qualquer dia desses, escrevo com mais vagar a respeito disso. Podem acreditar: ele é merecedor.

Mas voltando à biografia do Noel Rosa, mencionada no primeiro parágrafo deste texto cheio de curvas. Paguei caro sabendo que coisa boa certamente viria. Desnecessário dizer: Noel Rosa foi o grande gênio brasileiro do século 20. Suas letras são crônicas deliciosas. Ele deve estar ao lado de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Stanislaw Ponte Preta e outros gigantes da literatura brasileira.

Além disso, um dos autores da biografia do Noel Rosa é o João Máximo, jornalista primoroso. Ele também escreveu, junto com o Marcos de Castro, “Gigantes do futebol brasileiro”, livro fundamental para quem gosta de futebol e de texto bem escrito.

A biografia do Noel Rosa custou caro porque saiu numa tiragem reduzida muito tempo atrás. Quem entende do riscado foi correndo comprar na época. Depois foi um rolo para lançar uma nova edição. Parecia que ia sair pela Companhia das Letras, mas as coisas azedaram com o Carlos Didier, pelo que ouvi dizer. Pouco provável que uma nova edição saia, infelizmente. E foi assim que gastei quase quatrocentos reais num livro há dois anos. O livro chegou, e eu enrolei para começar a ler. Daquelas contradições que a gente carrega.

Tive vergonha na cara e finalmente resolvi entrar de cabeça no mundo do Noel Rosa. E o que eu digo a vocês disso tudo? Foi o melhor dinheiro que gastei na vida.

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