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Nelson Fonseca Neto

Sal grosso

Algumas pessoas que conheço são enciclopédias de ocultismo. Sabem o que fazer para trazer prosperidade

16 de Maio de 2024 às 22:25
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Gosto de ler as coisas que o Carl Sagan escreveu. Ele foi grande como cientista e como comunicador: tornava palatáveis conceitos espinhosos. Impossível não admirar gente que se ocupa dessas coisas. Fernando Reinach faz algo parecido no Brasil. Vale a pena conferir.

Sempre que posso, releio trechos de “O Mundo Assombrado Pelos Demônios”, o livro mais inspirado de Carl Sagan. Ali ele faz uma declaração de amor ao método científico. É uma aula de como conciliar sarcasmo com rigor. Sempre digo aos meus alunos quando eles pedem indicações que possam aprimorar suas redações: leiam Carl Sagan.

Escrevo essas coisas e talvez o leitor ache que eu estou livre de pensamentos supersticiosos. Algumas pessoas que conheço são enciclopédias de ocultismo. Sabem o que fazer para trazer prosperidade. Conhecem procedimentos que tiram a dor. Explicam como blindar a casa da inveja e do olho gordo. Seria fácil dizer que elas estão equivocadas. Não faço isso.

Não estamos diante de um paradoxo, do sujeito que respeita Carl Sagan e faz figa. É tudo uma questão de respeito. E de prudência. Respeito: quem sou eu para me imiscuir naquilo que as pessoas têm de mais profundo? Prudência: lá no fundo, bem no fundo, vem aquela vozinha marota dizendo “e se elas estiverem certas?”

Sempre pensei assim. Tento não desfazer daquilo que não vejo. Mas, nesses anos todos, nunca garimpei a fundo no terreno do ocultismo. O duro de envelhecer é que a gente vai pegando umas manias. A mais recente delas: escarafunchar as superstições. Não como adepto, mas como curioso mesmo.

Antes que digam que traio a memória de Carl Sagan, venho me interessando por assuntos que nunca haviam aparecido no meu radar, e não apenas pelo mundo fascinante das superstições. Selos. Sobrelojas. Nomes de ruas. Esportes pouco difundidos. Não estou ocioso. Minha geração provavelmente não saberá o que é aposentadoria. Essas maluquices vão sendo contempladas nas horas vagas. E não tenho como deixar de agradecer a internet, que facilita sobremaneira minha vida. Sem a internet eu estaria lascado.

O básico do básico da superstição: o número 13 é problemático; sexta-feira 13 deve inspirar cuidados; sexta-feira 13 caindo em agosto deve acionar nossos alarmes. As explicações são fascinantes. Vale a pena o leitor mergulhar nessas águas. Sobre o número 13: nada tenho contra. Acho que o Zagallo exagerava quando enaltecia o número 13, mas cada um vê a vida a seu modo. Sobre sexta-feira: é meu dia favorito. Fim da jornada, promessa de final de semana. Já dizia o sábio: a véspera do feriado é mais saborosa do que o feriado. A gente sabe que é verdade. Só não admite.

Agosto eu acho que é um mês meio metido a besta. Tradicionalmente, nem calorão nem frio. No trilho do ano, mês que encontra o pessoal meio desanimado. Ainda falta uma pernada para dezembro. O carnaval é apenas uma memória que se apaga. Muita gente ainda de ressaca das férias de julho. É meio metido a besta, mas nunca foi mais do que isso para mim.

Até eu me deparar, em minhas escavações ociosas, com algo perturbador. Eu estava atrás de casos de jornalistas que morreram ao vivo, enquanto trabalhavam. Antes que me acusem de mórbido: eu me recuso a ver as cenas. Eu apenas quis saber se são casos raríssimos ou não. Um deles se deu aqui no Brasil. E foi algo espantoso, protagonizado por Gláucio Gil, apresentador do programa “Show da Noite”, nos primórdios da Rede Globo, em 1965. Usou as seguintes palavras na introdução: “Hoje é sexta-feira, 13 de agosto. Dia aziago, mas até agora vai tudo caminhando bem, felizmente”. Dez minutos depois, Gláucio Gil morreu por conta de um ataque cardíaco. Ao vivo, com o perdão da ironia. Diante de milhares de pessoas.

Eu, hein?