Nelson Fonseca Neto
Congelado
Farei 47 anos logo mais, em novembro. Sou um senhor. Tem hora que preciso parar pra pensar nisso. Não tenho aura de respeitabilidade, seja lá o que isso signifique. Uso tênis, calça jeans e camiseta. Estou mais ágil do que estava dez anos atrás, trabalho com jovens, tenho um filho de cinco anos. São fatores que conspiram para que eu me sinta bem mais novo do que a certidão de nascimento aponta.
Tento não forçar a barra bancando o jovem. Não pinto o cabelo, minha barba está tomada pelos fios brancos, não recorro às gírias dos meus alunos. Sei muito bem como eles falam, respeito as expressões, mas seria um passo enorme incorporá-las na minha maneira de falar. Vamos dizer as coisas com clareza? Seria ridículo o tiozinho falando que nem a moçada.
Agora, pensando melhor, acho que o lance de ser meio jovem está mais na minha casca do que no meu miolo. Eis um ponto interessante. Conheço pessoas cuja alma jovem vive num corpo de senhorzinho ou de senhorinha. Admiro esse pessoal.
Não é o caso de dizer que sou um sujeito que usa camiseta e suspira nostálgico pela palmatória. Digamos que é mais pra algo no meio do caminho. Vou tentar me expressar melhor: até uns trinta anos, eu até que era atualizado nos campos da música, do cinema, do mundo do entretenimento em geral. Sei lá o que aconteceu, mas perto dos 32, 33, eu parei de me interessar por novidades. Como se eu dissesse: já deu pra mim, o negócio é curtir o que aprendi até agora.
Não foi um decreto solene. A coisa rolou naturalmente. Só depois de alguns anos me dei conta. E a gente se dá conta dessas coisas quando fica boiando numa conversa sobre uma série que faz muito sucesso ou sobre uma cantora que está arrebentando a boca do balão e a gente pergunta “mas quem é ela?”. Quando você começa a fazer esse tipo de pergunta o tempo todo, saiba que a boiada passou. Já era, meu irmão.
Na semana passada, a Patrícia e eu estávamos vendo umas apresentações do “Rock in Rio 2024” na televisão. Ninguém da nossa geração passou indiferente por aquilo que rolou em 1985 e 1991. Claro que ao gastar um tempo vendo o festival em 2024 estávamos encharcados de nostalgia. Nessas horas a gente tem que tomar um cuidado enorme para não soar ofensivo, mas vamos lá: a nostalgia foi embora em poucos segundos. O que estávamos vendo na televisão não era o “Rock in Rio” de outrora.
Calma, minha gente: não estou julgando. Sei que a fila anda. Só estou contando um pouco aqui do nosso sentimento de inadequação. Parece caricatura o que vou dizer, mas juro que é verdade: enquanto MC Cabelinho cantava no palco, a Patrícia e eu arregalamos os olhos. Depois, os dois soltaram ao mesmo tempo a pergunta que parece ter sido escrita para uma série de humor: você entendeu alguma coisa do que ele está cantando?
Nessas horas a gente pensa: eita! Aí a câmera mostrava o público cantando animado as músicas. Meu profundo respeito à habilidade daquelas pessoas que compreendiam perfeitamente o que soava como um idioma escandinavo para nós. Nem conseguimos dizer se aquilo era bom ou ruim, pois estávamos presos na perplexidade de não entender o que dizia um artista brasileiro. (Viu, não espalha: mentira, achamos ruim, mas queremos bancar os isentos, os atualizados.)
Aí fui fuçar a lista de atrações das edições de 1985 e 1991. Bela maneira de passar uma raivazinha no fim de semana.