Nelson Fonseca Neto
Sem som

Não tenho lidado bem com barulho, e isso já vem de um tempo. Fico aflito quando alguém fala alto perto de mim, sinto raiva de quem acelera o carro ou a moto só para mostrar sei lá o quê. Antes eu tentava justificar o comportamento lamentável dessas pessoas, mas agora eu desisti e eu só quero que elas parem de me aporrinhar.
Ontem mesmo eu estava com a Patrícia e com o João Pedro passeando de carro. A gente gosta de passear no sábado à noite porque o Sol já foi embora e o trânsito tende a fluir melhor em vários pontos da cidade. Eu não vou bancar o santo aqui e dizer que abomino o automóvel. Dirigir à noite é bom, várias ideias que surgiram para as crônicas vieram assim. Um dia escrevo um pouco mais a respeito disso.
Mas estou enrolando. Eu dizia que ontem à noite eu estava com o João Pedro e a Patrícia no carro quando vimos um tampinha entrando num carro esportivo caro que estava estacionado numa das vagas da padaria. Quando ele acelerou, o carro fez um barulho tremendo. Eu odeio o barulho que esses carros fazem, a Patrícia também, e é por isso que estamos muito bem casados. Não só por isso, claro, mas vocês entenderam o que estou dizendo.
Vendo o baixinho ridículo acelerando o carro, começamos uma conversa sobre riqueza. Melhor dizendo: sobre o que faríamos se ficássemos ricos. Conheço um monte de gente que compraria um desses carros esportivos que correm para caramba e que fazem um barulho infernal. Eu jamais compraria um treco desses. A Patrícia também não, e é por isso que estamos muito bem casados.
Sair fazendo barulho pelas ruas da cidade é o símbolo da cafonice. Eu duvido que algum leitor consiga encontrar uma justificativa plausível para alguém que se porta assim. Na época em que meu temperamento era mais dócil eu tentaria encontrar uma explicação conciliatória. Eu era meio tonto uns anos atrás.
Eu sei que estou resmungando bastante hoje. Talvez alguém aí pense: bem que ele podia ver a beleza da vida. Olha só, eu vejo a beleza da vida todos os dias. Um dia eu faço um texto bem fofinho. Vão esperando. Quando der eu faço.
Eu sei o que explica o tampinha do carro esportivo andar como se fosse uma celebridade marrenta. Ora, ele é uma celebridade. Não estou falando de celebridade do mundo artístico. Até entendo um grande ator ser meio metido. Não concordo, mas entendo. Mas já vai longe o tempo do cara que era celebridade porque fazia alguma coisa minimamente interessante.
Se você conhece as redes sociais, sabe do que estou falando. Se não conhece, continue assim, preserve sua sanidade mental e apenas acredite no que estou dizendo. Você já é uma celebridade se tiver um carro que chame a atenção dos otários.
O tampinha do carro esportivo anda de peito estufado porque sempre tem um baba-ovo olhando alucinado para o possante. É por isso que o tampinha acelera com gosto. Eu não sei quem é mais trouxa, o tampinha ou o cara que acha o tampinha o máximo.
Em tempo: se ficasse rico, eu compraria um carro legal, mas ele teria de ser silencioso. Eu pagaria uma grana pelo silêncio.