Nildo Benedetti
Filmes da Netflix sobre Guerras na Europa (parte 2)
Neste artigo continuarei a apresentar o pensamento de Massimo Cacciari exposto em sua entrevista ‘Perché nessuno parla di pace?’ (Por que ninguém fala de paz?).
Os contendores das guerras locais de hoje envolvem as potências globais. E quando potências globais se confrontam, a ameaça é geral. Nenhuma das três superpotências - Estados Unidos, China e Rússia - tem capacidade de destruir qualquer uma das outras duas. Diante de ataques massivos ao seu território, qualquer uma delas usará seu enorme arsenal nuclear que levará os dois confrontantes à destruição mútua e conduzirá o mundo a uma tragédia.
Por isso, é preciso compreender que a Rússia não será, não poderá ser derrotada, porque diante da iminente capitulação, só lhe restará usar suas armas atômicas. O que a OTAN está fazendo é prolongar indefinidamente a guerra que está prejudicando a economia europeia e enriquecendo fabricantes de armas. A guerra está destruindo interesses europeus, não americanos, chineses ou indianos, afirma Cacciari. Quem arcará com as consequências econômicas e sociais dessa guerra será a Europa.
Cacciari fala que o compromisso da Europa deve ser com a Europa. O que Cacciari está dizendo é que ela deve defender seus próprios interesses e não se engajar na tentativa de conter o declínio econômico dos Estados Unidos e a ascensão econômica do chamado “sul global”. Sobre este assunto, sugiro a leitura do artigo de Jacques Sapir, “Rumo a que nova ordem mundial? O fim da dominação americana e suas consequências”. Eis um trecho do artigo:
“No início da última década do século 20, os Estados Unidos possuíam uma supremacia total, tanto militar quanto econômica, política e cultural. (...) No entanto, essa hegemonia (...) começou a se deteriorar gradualmente diante de crises financeiras que os Estados Unidos não conseguiram controlar, de seus fracassos militares (no Iraque e no Afeganistão) e da rápida ascensão de novas potências (China, Índia, Brasil, e agora Indonésia e Turquia) ou de antigas potências que souberam se reinventar (Rússia).”
Franco Berardi, citado na semana passada, associa a atual “violência psicótica acelerada” à incapacidade do Ocidente de aceitar seu declínio.
Cacciari afirma que, se o Ocidente continuar a agir da forma que vem agindo, a de delegar guerras a terceiros para desestabilizar as potências inimigas, a catástrofe de uma terceira guerra mundial será inevitável. A ignorância, a incapacidade de negociação, os desentendimentos jogarão a Europa na escuridão, diz Cacciari. Pacifismo abstrato de nada serve, a ONU não tem voz, não existe.
Caro leitor, hoje não interessa absolutamente discutir quem tem razão, se Rússia ou OTAN/Ucrânia. Esse conflito é resultado do emaranhado de interesses indecentes, erros estratégicos, diplomáticos e políticos cometidos principalmente nas últimas duas décadas por dirigentes nacionais incompetentes e arrogantes que impediram que a arte da política fosse utilizada para alcançar a paz, ainda antes da invasão russa à Ucrânia ou no início da guerra. Deve-se entender que esse conflito levará a destruição a todos os lugares, não só à Europa. Ficar vendo noticiários para torcer que um lado liquide o outro é ignorar o risco real que a humanidade toda está correndo, porque “não devemos jamais subestimar a estupidez humana”.
Obs.: Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec