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Presença dos espanhóis em Sorocaba vira tese de doutorado; trabalho será apresentado na Biblioteca Municipal

Pesquisador analisou questões linguísticas-culturais e fez estudo de material histórico e documental, inclusive edições do Cruzeiro do Sul

11 de Novembro de 2024 às 21:12
Beatriz Falcão [email protected]
Descendentes de espanhóis guardam registros e memórias
Descendentes de espanhóis guardam registros e memórias (Crédito: CORTESIA)

Sorocaba foi lar de uma das maiores comunidades espanholas do Estado de São Paulo. Em 1930, a colônia hispânica era composta por 12 mil membros. Apesar dos anos que se passaram, muitos traços culturais continuam presentes no dia a dia dos sorocabanos, seja nas arquiteturas espalhadas pela cidade ou nos pratos de comida. Neste cenário, o professor de letras-espanhol, Fabrício Cordeiro Dantas, durante o seu doutorado, entre 2017 e 2021, estudou a presença de questões linguísticas-culturais deste grupo no município.

“Eu sou natural da Paraíba, no entanto, a minha ligação com a história e com a cidade de Sorocaba começou em 2015, antes do doutorado, devido a um laço afetivo. Entre idas e vindas na cidade, descobri a respeito da presença espanhola e achei interessantes, uma vez que sou professor espanhol”, relata o pesquisador. “Então, a escolha do tema teve influência desses dois fatores”.

Para compreender as heranças da língua espanhola existente na cidade, Fabrício realizou uma pesquisa histórica e documental, envolvendo jornais antigos, inclusive edições do Cruzeiro do Sul, além da revisão bibliográfica. Entre novembro de 2017 e junho de 2021, o contato do pesquisador com Sorocaba se aprofundou ainda mais. Nestes anos, ele morou na cidade e conheceu famílias com descendência hispânica, a maioria concentrada na Vila Hortência e no Além Ponte.

“A partir dessas famílias com quem tive proximidade, visitei casas e lugares para ver como era a presença. Eu ficava ouvindo elas falando, conversando, lembrando das histórias enquanto passeávamos pelas ruas. Neste período, criei muitas amizades”, conta Fabrício. “Foram muitas histórias, que agora estão memorizadas na tese do doutorado”.

Com o propósito de documentar as lembranças colhidas, o doutorando também aplicou questionários socioculturais e linguísticos com cerca de 40 pessoas, entre homens e mulheres, de todas as faixas etárias. Segundo ele, as respostas auxiliaram a sua compreensão sobre a língua espanhola no passado e como ela se relaciona com os descendentes atualmente.

“Havia perguntas gerais e específicas, relacionadas ao grau de contato e de parentesco. Por exemplo, você teve contato com a língua espanhola na infância? Sim ou não? Com quais familiares interagia? Qual a gradação?”, exemplifica o docente. “Quanto mais próximo dessa história, sendo filho ou netos mais velhos, mais coisas sabiam dizer. Em contrapartida, os mais jovens raramente tinham muitas informações”.

E no fim, a língua espanhola existe ou não em Sorocaba?

Ao andar por Sorocaba, é possível notar que algumas vias levam nomes de cidades espanholas, como as ruas Madrid e Catalunha, na Vila Hortência. A cultura ainda está presente nas festas tradicionais, por exemplo, a Feira de Sevilha, celebrada há quase 20 anos na cidade. Contudo, no quesito linguístico-cultural, Fabrício somente encontrou memórias.

“Com o tempo, as pessoas vão se casando, as gerações mais jovens surgindo e a língua vai se perdendo, a cultura enfraquecendo. Quando resistem é basicamente ao domínio privado”, explica o pesquisador. “Nos anos 50, 60, 70, quase não se ouvia mais o espanhol nas ruas, mas apenas dentro das famílias. A avó, já velhinha, falava com o neto já misturando com o português. Desta forma, nos anos 80 e 90, algumas pessoas faleceram e os mais velhos se recordam, porém, com uma mistura entre as línguas. Nos anos 2000 em diante, as pessoas com mais idade se lembram apenas de expressões soltas”.

Com isso, o docente conclui que a língua espanhola está presente na memória dos mais velhos. Um exemplo é o aposentado Douglas Cumpian, de 79 anos, filho de espanhóis. Entre os imigrantes vindos da Espanha, estavam os seus pais e os seus avós.

“Eles vieram para São Paulo para trabalhar nas plantações de café. Os meus avós paternos foram para Santos, enquanto os maternos para Catanduva. Porém, no cenário estadual, Sorocaba começou a se destacar pela indústria têxtil e precisavam de mão de obra”, relata Douglas.

Apesar de seus avós, enquanto vivos, falarem apenas espanhol, a língua não foi um traço herdado pela família. Em sua memória, o aposentado se recorda apenas das receitas passadas de geração em geração, como o puchero de garbanzos conhecido entre os brasileiros como grão-de-bico , e uma rosca salgada típica no Natal. Em uma pasta, Douglas também guarda documentos e fotografias, que um dia pertenceram aos seus familiares.

“Eles trouxeram alguns objetos da Espanha, como um baú de madeira onde guardavam as roupas na época, e um ferro que eles pegavam carvão”, lembra Douglas. “Porém, o espanhol é algo que se perdeu”.

Apresentação da Tese

Mais detalhes da tese de doutorado de Fabrício Cordeiro serão apresentados hoje (12), em Sorocaba. A primeira apresentação será na Universidade de Sorocaba (Uniso), no IX Seminário de Relações Internacionais, às 10h.

No período da tarde, os recortes da pesquisa sobre contato linguístico português-espanhol em Sorocaba serão exibidos no auditório da Biblioteca Municipal de Sorocaba “Jorge Guilherme Senger”, às 15h. Já de noite, às 19h, o docente retorna à Uniso para uma palestra para os alunos do curso de Letras.

 

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