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Partituras de sufragista negra são descobertas e ganham vida no piano

28 de Dezembro de 2024 às 21:49
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Cibele Tenório lançará em 2025 biografia 
sobre Almerinda Farias
Cibele Tenório lançará em 2025 biografia sobre Almerinda Farias (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Os olhos da aluna sorriem enquanto o som do piano domina a sala e os seus sentidos. A professora toca, ensina, mas, neste lugar, também aprende. As notas da música “Noturno” saem dos dedos da pianista Renata Sica e se espalham pela sala de uma casa na cidade de Araras (SP). Maria José Febraro, de 75 anos, flutua no tempo ao saber que aquela obra foi composta por uma mulher negra como ela, com sonhos suados parecidos com os dela, com as conquistas de vez em quando e com os nãos de todos os dias.

A autora da música foi uma das mulheres que lutou pelo direito das mulheres do Brasil poderem votar nas eleições, a sufragista, datilógrafa e sindicalista Almerinda Farias Gama (1899-1999), uma trabalhadora alagoana histórica, invisibilizada no século 20 e uma figura até então desconhecida para a professora que tocava, para a aluna que ouvia e para o mundo. As duas sabem que estão diante de uma partitura histórica, com as marcas amareladas do tempo.

A primeira a perceber que tinha uma relíquia diante de si foi a pesquisadora Cibele Tenório, doutoranda em história pela Universidade de Brasília (UnB) e jornalista da Rádio Nacional, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Foi Cibele quem encontrou as partituras arquivadas na Escola Nacional de Música, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ritmos

Cibele lançará, em 2025, ano que vem, uma biografia sobre Almerinda Farias. Essa biografia nasceu de uma pesquisa de mestrado na UnB, sob orientação da professora Teresa Marques. No percurso para conhecer mais de Almerinda, Cibele descobriu que a sufragista tinha paixão pelo piano e havia criado músicas de variadas inspirações.

“Falamos de uma personagem que foi esquecida”, diz a pesquisadora. Cibele explica que Almerinda, em uma entrevista em 1984, recordou que a avó paterna ensinou francês, prendas domésticas e aula básica de piano. “Ela disse que nunca ingressou em um conservatório na infância. Depois, quando era idosa e se aposentou como datilógrafa, voltou a se dedicar ao piano, o instrumento da infância”, afirma Cibele.

Conhecendo Almerinda

“A Almerinda tocava piano quando era criança. Também teve a vida toda nas teclas da máquina de escrever. É como se ela tivesse trocado as teclas. Inverteu, na infância, as teclas do piano para as da datilografia. Na velhice, voltou para as teclas em preto e branco”. A pesquisadora explica que Almerinda disse, aos 85 anos de idade, que havia, ao longo da vida, feito mais de 90 músicas.