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Auxiliar que corresponde

Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine

30 de Maio de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Julio Endi Akamine.
Dom Julio Endi Akamine. (Crédito: Manuel Garcia (11/7/2019))

Na solidão original do ser humano está incluída a autoconsciência, a autopossessão e a autodoação. O “estar só” é o que possibilita a relação pessoal com Deus. Com efeito, só homem foi criado à imagem de Deus e, por estar só, ele é elevado à condição de “parceiro” da Aliança divina, sujeito constituído como pessoa à altura de “companheiro do Absoluto”. Como parceiro da Aliança, o ser humano deve discernir e escolher conscientemente entre o bem e o mal, entre a vida e a morte.

Somente depois que o homem constata a própria solidão, Deus cria a mulher: Então, o Senhor Deus fez vir um sono profundo sobre o homem, o qual adormeceu. Tomou um lado (costela) dele e fechou a carne no seu lugar. E do lado (costela) que tomara do homem, o Senhor Deus formou a mulher e a trouxe ao homem (Gn 2,21-22).

O homem (adam) caiu em um sono profundo para acordar varão e mulher. De fato, a primeira vez que aparece a distinção ish-ishá é em Gn 2,23. O termo hebraico adam exprime o coletivo da espécie humana, isto é, o ser humano. A contraposição ish-ishá sublinha a diversidade sexual. O sono profundo indica o momento que antecede a criação, para que dele, por iniciativa criadora de Deus, o ser humano solitário possa ressurgir na sua dupla unidade de homem e mulher.

Ao sono relacionamos quase espontaneamente o sonho: o homem sonha encontrar um “segundo eu”, “um outro eu distinto de mim”, “um tu” pessoal e igualmente marcado pela solidão original. O homem cai no sono com o “sonho” de encontrar um ser semelhante a si.

Sono é o termo que aparece na Sagrada Escritura, quando durante o sono ou imediatamente depois dele ocorrem fatos extraordinários (Gn 15,12; 1Sm 26,12; Is 29,10; Jó 4,13; 33,15). Na teologia javista, o sono em que Deus fez cair o primeiro homem, sublinha a exclusividade da ação de Deus na obra da criação da mulher: o homem não teve nela nenhuma participação consciente. O homem parece ter assistido à formação dos animais do pó da terra, mas ao mistério da criação da mulher, o homem não é admitido. Como o homem é mistério para si mesmo, pois está marcado pela solidão original, assim a mulher é mistério que fascina e assombra o homem.

Deus serve-se da sua “costela” porque o homem e a mulher têm a mesma natureza. A mulher é feita “com a costela” (tomou um lado dele) que Deus tinha tirado do homem. Esse é o modo arcaico e imaginoso de exprimir a homogeneidade (de mesma natureza) do ser homem e mulher.

Essa homogeneidade diz respeito sobretudo ao corpo. Ela é confirmada pelas primeiras palavras do homem à mulher recém-criada: Esta é realmente o osso dos meus ossos e a carne da minha carne (Gn 2,23). Essas palavras devem ser entendidas no contexto das afirmações feitas antes da criação da mulher, nas quais ela é definida como “auxiliar semelhante a ele” (Gn 2,18 e 2,20): a mulher foi criada sobre a base da mesma humanidade. O termo auxiliar que lhe corresponde sugere a ideia não tanto de “complementaridade”, mas mais de “correspondência” e de “reciprocidade”.

A homogeneidade entre homem e mulher é tão evidente que o homem, despertando do sono, imediatamente a exprime: Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem. Mesmo que a diferenciação sexual e corporal seja igualmente evidente, o homem não deixa de manifestar a sua alegria e exultação: agora sim ele encontrou alguém que, como ele, se autoconhece, se autopossui e se autodoa. As palavras são poucas e essenciais, mas cada uma tem grande peso. A mulher, feita com “o lado do homem” é imediatamente aceita como auxiliar semelhante a ele.

Na antropologia bíblica os “ossos” exprimem um elemento importantíssimo do corpo; dado que para os Hebreus não havia distinção clara entre “corpo” e “alma” (o corpo era considerado como manifestação exterior da personalidade), os “ossos” significavam simplesmente o ser humano (cf. Sl 139,15: não te estavam escondidos os meus ossos). Pode-se, portanto, entender “osso dos ossos”, em sentido relacional, como o “ser vindo do ser”; “carne proveniente da carne”. Assim o homem canta a mulher que, mesmo tendo características físicas diversas, possui a mesma dignidade de pessoa que ele possui.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.