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Escândalo

Artigo escrito por Dom Julio Endi Akamine

01 de Agosto de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Julio Endi Akamine.
Dom Julio Endi Akamine. (Crédito: Manuel Garcia (11/7/2019))

O escândalo é considerado quase exclusivamente a partir de seu impacto midiático: se um fato, imoral ou não, permanece desconhecido, não é considerado escândalo. Assim o escândalo acaba por se limitar ao estardalhaço que o acompanha e à indignação geral que a notícia provoca.

Mais profunda do que a compreensão quase unicamente midiática é a da Bíblia, de modo particular, a dos Evangelhos. Em sua linguagem concreta, a Bíblia apresenta o termo abstrato “escândalo” ligado a duas coisas: tropeço e obstáculo. No primeiro significado, tropeço indica algo que faz cair, que desvia do caminho, que leva ao pecado e à perdição. No segundo significado, obstáculo indica algo que impede e fecha o acesso, um muro que torna inacessível a algo.

Sobre o escândalo, Jesus proferiu uma ameaça severíssima que perturba a nossa consciência.

Quem causar escândalo a um só destes pequenos que creem em mim, melhor seria que lhe amarrassem ao pescoço uma grande mó e o lançassem ao fundo do mar. Se tua mão ou teu pé te causa escândalo, corta e joga fora. É melhor para ti entrar na vida tendo só uma das mãos ou um dos pés, do que, tendo os dois, seres lançado ao fogo eterno (Mt 18,6.8).

Jesus pensa nos dois significados bíblicos concretos do escândalo. Quando fala de escandalizar um dos pequenos, deseja dar a entender o primeiro significado: trata-se de desviar os pequenos do caminho da salvação, de fazê-los cair no pecado, de arrastá-los ao mal por meio do exemplo, da palavra e do engano. Quando fala das “mãos e dos pés que escandalizam”, quer destacar o segundo significado; trata-se de algo que impede a entrada no Reino, de um obstáculo à salvação.

No caso do escândalo dos pequenos há ainda o agravante de que o pecado de fazer cair envolve os vulneráveis. Esse escândalo é tão grave aos olhos de Jesus que ele usa uma imagem de crueza incomum para indicar o castigo de tal pecado: é pior do que colocar uma pedra de moinho ao pescoço e ser jogado no mar!

Basta olhar ao nosso redor para descobrir como nós estamos nesta situação de escândalo ativo, continuado e organizado que inspirou a ameaça de Cristo. Quantos pequenos que creem em Cristo perdem a si mesmos e a fé por causa de programas de televisão, filmes, jogos, conversas, espetáculos.

É só ouvir as letras de algumas músicas que nossas crianças e adolescentes ouvem e “curtem” para perceber como são bombardeados com o obsceno, o imoral e o feio a todo momento e em todo lugar. E se alguém ousa reclamar é taxado de obscurantista, intolerante. Fala-se a todo momento de que a arte deve ser livre, como se a arte tivesse a permissão de humilhar e ofender as pessoas e de vilipendiar o sagrado. Fala-se de realismo, como se a realidade fosse toda e somente a aberração sexual e a violência.

Temos motivo para tremer vivendo numa sociedade como a nossa, que perverte os inocentes! Se não quisermos a condenação de Cristo precisamos com urgência oferecer às novas gerações a alternativa de viver com alegria o que é moral, o que é belo, o que é verdadeiro. Se não tivermos o cuidado de uma higiene mental e moral cotidiana e vigilante, a nossa sociedade receberá o castigo que já está às nossas portas.

Não podemos esquecer também do outro escândalo que é o de impedir as pessoas de chegarem à fé. Quem é que coloca os maiores obstáculos para as pessoas crerem em Cristo? Nós mesmos! Muitos não têm fé por causa dos próprios cristãos que não vivem com coerência a própria fé: se nós professamos e prometemos viver o Evangelho e, depois, no cotidiano, somos injustos com o próximo, insensíveis diante das necessidades e da dor, impedimos que as pessoas tomem a sério a Palavra de Jesus. É verdade que há também pessoas que não tem fé por preguiça ou por maldade, mas há muitos que combatem a fé exatamente por causa do contratestemunho cristão.

Precisamos pedir perdão por causa dos escândalos: dos que pervertem os pequenos e dos obstáculos que nós pomos aos que não têm fé. Que a humilhação provocada pela consciência do pecado nos conduza à conversão urgente. Que a Palavra de Deus proclamada para abater e destruir, abata o nosso orgulho e a nossa falsa boa imagem. Sobre a nossa humilhação e sobre o nosso arrependimento, a Palavra de Deus tem o poder de fazer florir a conversão e a coragem para combater os escândalos e para não sermos nós o empecilho que impede o acesso à fé em Cristo.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.