Celso Ming
Não há mais preço de banana
A banana continua a preço de banana só até ser carregada no caminhão que a leva para os centros de consumo. Daí em diante, queima diesel, a dólar
Celso Ming
Ficaram para trás os dias em que coisas baratas eram vendidas “a preço de banana”.
Testemunha desses bons tempos, o jornalista Luiz Carlos Secco, leitor da Coluna, se espantou quando viu que pagou R$ 5,69 por três bananas-prata compradas no sacolão de Santo Amaro, o que dá R$ 1,896 por banana. Ele fez as contas e verificou que um casal com três filhos que comesse apenas uma banana por dia cada um, gastaria quase os R$ 300 mensais de auxílio social proporcionados pelo governo.
Este País já teve a inflação do feijão-preto, a do chuchu e a inflação do boi no pasto. Agora tem, digamos, a inflação da banana-prata, cujos preços subiram 27,15% em menos de dois meses. Parte da explicação dessa esticada, o Seccão, como o chamam os amigos, conhece bem, já que sempre trabalhou com a indústria de veículos. A banana continua a preço de banana só até ser carregada no caminhão que a leva para os centros de consumo. Daí em diante, queima diesel, a dólar.
Na semana passada, os rastros da inflação mostraram que a disparada dos preços não se limitou à banana-prata. O IPCA-15, prévia da inflação de fevereiro, saltou 0,99%, bem mais do que o esperado, o que dá o período 15 de janeiro a 15 de fevereiro mais caro desde 2016. Em 12 meses, o medidor de inflação acumula alta de 10,76%.
Desta vez não se pode atribuir a escalada apenas ao aumento global de custos em consequência da pandemia. A alta está cada vez mais espalhada (atingiu cerca de 69% dos itens da cesta de consumo), especialmente nas despesas com educação (avanço de 5,64%) e dos alimentos (mais 1,20%).
Não dá para dizer que a política de juros, que está aí para combater a inflação, não seja eficaz. Ela está contendo os preços, embora menos do que o desejado. Prova de que ela vem funcionando é o que está acontecendo com o dólar, cujas cotações em reais caíram quase 10% apenas neste início do ano, porque mais moeda estrangeira vem entrando no País para aproveitar os juros mais altos por aqui.
As apostas do mercado financeiro devem ser levadas a sério, porque são de gente que põe dinheiro pesado nos contratos futuros de câmbio e de juros. Pois o mercado financeiro ainda aposta firme em que a inflação do ano caia à metade da atual até final de dezembro.
PIB sob mais incerteza
Uma vez conhecido o crescimento do PIB do Brasil em 2021, de 4,6%, convém examinar com atenção o que pode acontecer neste ano, que já começa atacado em várias frentes. As projeções de uma variação insignificante, de 0,3% em 2022, são apostas que se repetem. É o quanto prevê o mercado auscultado pelo Banco Central na Pesquisa Focus. Mas até mesmo essa projeção, feita com breque de mão puxado, enfrenta novas adversidades, especialmente depois da eclosão da guerra da Ucrânia. Dependendo de sua intensidade, de sua duração e do seu desfecho, pode mudar muita coisa na economia mundial e na do Brasil, como mais adiante ficará dito.
A economia brasileira já vinha enfrentando retrancas. O aperto monetário (alta dos juros) para combater a inflação e, portanto, seu impacto recessivo era apenas uma delas. O desemprego alto, que atinge 11,1% da produção ativa, mais a perda generalizada de poder aquisitivo são outras. O aumento do rombo das contas públicas e a incerteza política que cerca as eleições deste ano também seguram os investimentos e, principalmente, baixam o nível de confiança dos produtores.
A atual disposição dos consumidores parece ser a de adiar compras de maior importância, porque temem comprometer o orçamento doméstico com mais despesas. A seca no Centro-Sul também vai castigando as plantações, cujo desempenho mais baixo deve ser apenas em parte compensado por um aumento de preços das commodities.
Apesar da derrubada do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a atividade da indústria de transformação também não apontava para o campo positivo. Ao contrário, as projeções vinham sendo de queda constante de produção.
A guerra complica ainda mais esse quadro e acrescenta a ele mais incertezas. A inflação deverá produzir novos estragos ao redor do mundo, a começar pelos provocados pela disparada dos preços da energia e das commodities. Ainda não se sabe até que ponto os fluxos de produção e distribuição ao redor do mundo, que ainda não se restabeleceram completamente da desorganização provocada pela pandemia, serão agravados pela retenção de navios, pela ação das sanções econômicas à Rússia e pela crise energética.
Aumentou a falta de insumos, de chips e de peças na indústria de transformação. A agricultura brasileira terá de ver onde obterá os fertilizantes potássicos. E sabe-se lá se a pandemia não poderá enfrentar novas ondas que demandarão mais iniciativas de reclusão social. Os tempos são de forte neblina. Produtores e consumidores têm de operar na incerteza.
Celso Ming é jornalista e comentarista de economia