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João Alvarenga

Tristeza rio-grandense

08 de Junho de 2024 às 23:00
Cruzeiro do Sul [email protected]
É triste pensar que a casa, outrora um lugar seguro para se viver, em pouquíssimo tempo, tornou-se apenas um amontoado de lixo
É triste pensar que a casa, outrora um lugar seguro para se viver, em pouquíssimo tempo, tornou-se apenas um amontoado de lixo (Crédito: GUSTAVO GHISLENI / AFP))

Talvez, este artigo não dê conta de externar tamanha dor que o povo gaúcho sente neste momento de aflição e desespero, diante de tanta tragédia trazida pela força das águas. Mas, mesmo assim, fui tocado pela poesia de Mário Quintana, uma das vozes mais expressivas do Rio Grande do Sul, para refletir sobre esses últimos acontecimentos que não só comoveram o País inteiro, como fizeram renascer o espírito de solidariedade. Afinal, todos se uniram pelo Rio Grande do Sul. Daqui, partiram veterinários que ajudaram a resgatar animais que estavam ilhados.

Claro que as imagens da TV dizem mais do que as palavras, pois o chão rio-grandense, antes sólido e fértil, está úmido e escorregadio. Agora, que as águas do Guaíba estão baixando, começou a pior fase: limpar toda lama deixada pelas águas. Mais de quatro mil voluntários retiraram vinte mil toneladas de entulhos da região metropolitana de Porto Alegre. Foi montada uma força-tarefa, com o exército, para que a vida volte à normalidade.

Porém, a situação é crítica, porque o rastro de destruição mostra um cenário caótico e desesperador. Tudo lembra cena de guerra, pois pouca coisa ficou em pé. Em pleno inverno gaúcho, o povo rio-grandense se confronta com uma dura realidade: muitas famílias não terão para aonde ir. Perderam tudo o que foi conquistado à custa de muito trabalho, ao longo de muitos anos. Ao todo, mais de seiscentas mil pessoas estão alojadas em abrigos improvisados. Fora os que estão abrigados em casa de parentes.

É triste pensar que a casa, outrora um lugar seguro para se viver, em pouquíssimo tempo, tornou-se apenas um amontoado de lixo que vagamente remete à ideia de que, um dia, ali foi um lar. São resquícios amargos de tempos inesquecíveis que as famílias viveram debaixo de um teto alegre e feliz. Nem a residência de Mário Quintana foi poupada; mas, sua poética manterá intacta a memória desse povo resiliente. Porém, parece que os versos: “...os caminhos do outono vão dar em parte alguma”, anunciavam o que estava por vir.

Infelizmente, as perdas afetivas são incalculáveis, além dos prejuízos materiais que contabilizam mais de cem mil negócios prejudicados, com danos na indústria, comércio e lavouras. Aliás, é no campo que a economia sentirá os efeitos dessa catástrofe com perdas lastimáveis nas safras de arroz e soja. As cheias causaram danos estruturais até em sobrados, já que as águas danificaram o primeiro piso. Casas simples foram arrastadas, levando consigo móveis e eletrodomésticos. Sofás, armários, geladeiras, camas, televisores e computadores... Tudo foi devastado. As chuvas intermitentes não pouparam ninguém, deixando muito sofrimento às famílias, que tiveram perdas irreparáveis. As inundações levaram, também, as lembranças... Álbuns de fotografias, brinquedos e relíquias. Até mesmo os documentos pessoais se perderam nas águas. Como se a vida tivesse sido apagada da noite para o dia.

Assim, uma tristeza profunda toma conta, só de pensar que muitas crianças ficaram sem um lar, sem escola e sem seus animais de estimação. Além disso, muitos jovens perderam seus pais. É assustador saber que as cheias do Guaíba atingiram mais de cinco metros, ultrapassando a marca histórica de 1941, que foi de 4,76 metros. Logo, fábricas, empresas, lojas e até o centro histórico da capital gaúcha, incluindo o antigo mercado municipal e o aeroporto, ficaram submersos. Empresários e operários viram sua única fonte de renda ser arrasada pelas águas, colocando abaixo décadas de sacrifícios.

Por fim, há quem diga que esse sofrimento poderia ser evitado, se o plano de contenção de enchentes, elaborado em 2012, fosse executado. Apesar de tanta dor, a dignidade do povo rio-grandense não foi tragada pelas águas. E, mesmo diante de tantas incertezas, aos poucos, o gaúcho tenta reconstruir o que foi perdido, para que os pampas voltem a ser verdejantes! Bom domingo!

João Alvarenga é professor de redação