Buscar no Cruzeiro

Buscar

Dom Julio Endi Akamine

O Purgatório

12 de Julho de 2024 às 22:30
Cruzeiro do Sul [email protected]
.
. (Crédito: REPRODUÇÃO)

Com a morte, termina o tempo que Deus dá ao ser humano para a livre acolhida do Seu amor e da Sua graça. Na morte, o ser humano entra na existência definitiva. Dado que a pessoa, no tempo de sua vida terrena, pode ter escolhido a favor ou contra Deus, a existência definitiva que a espera pode ser a de salvação ou a de perdição. Evidentemente elas dependerão do que tiver escolhido.

Dessa relação surge a necessidade do juízo que, no Novo Testamento (por exemplo, Mt 25,31ss), está unido sobretudo à Parusia do Senhor no fim dos tempos (cf. CatIgCat, 1038). Não faltam, por outro lado, algumas passagens que falam do estar com Cristo imediatamente depois da morte, ou de uma situação diferenciada entre bons e maus a partir desse momento (Lc 16,22). Não é fácil encontrar no próprio Novo Testamento uma harmonização explícita entre essas passagens que falam da situação imediata de quem morre com as que se referem ao final dos tempos.

Partindo, porém, da convicção de que o ser humano, depois da morte, alcança um estado definitivo de salvação ou de condenação, podemos compreender o que ocorre na morte. Nesse sentido, os principais textos do Magistério falam direta ou indiretamente do juízo particular. Merece menção especial a constituição Benedictus Deus de Bento XII do ano 1336 (DS 1000-1002) que resolveu definitivamente a questão da retribuição imediata: salvação ou condenação é a alternativa diante da qual todos deverão se encontrar. São os dois possíveis “resultados” do juízo particular.

O texto, porém, menciona uma terceira possibilidade: a da purificação. Uma leitura rápida e superficial pode dar a impressão de que as três possibilidades céu, inferno e purgatório estejam no mesmo nível. Na realidade não é assim. O Purgatório se situa inteiramente no caminho da salvação. Ele não é definitivo como o céu e o inferno, tampouco é um estado intermediário entre eles. A purificação dos que foram salvos é, muitas vezes, necessária porque as imperfeições humanas impedem a plena comunhão com Deus: quem morre na graça e na amizade com Deus pode não estar totalmente purificado do pecado, pode não ter acolhido plenamente em sua vida o amor de Deus, pode não estar livre de todo afeto desordenado.

A purificação depois da morte é um evento de graça, por isso, não tem sentido falar de purgatório a não ser em relação à salvação. O purgatório não é uma forma disfarçada de punição. Deus deseja realmente nos purificar de toda mancha de pecado e nos renovar completamente, pois a justificação do pecador não é apenas um verniz que se passa por cima, mas significa uma transformação interior do homem. Assim a salvação definitiva implica a verdadeira transformação, a total purificação e a plena orientação para Deus de todo o nosso ser.

Por isso a purificação não tem relação alguma com o sofrimento dos condenados. Esse é um equívoco que deve ser superado na catequese e na pregação. O purgatório não é absolutamente um tipo de “inferno com prazo de validade”. O inferno é a separação definitiva de Deus, e o purgatório é o caminho para a Sua plena posse. Assim também a imagem do fogo, que é usada para descrever tanto o inferno quanto o purgatório, não deve nos levar a equiparar o purgatório ao inferno. O fogo do inferno nada tem a ver com o do purgatório. O fogo do inferno consiste no castigo eterno, enquanto que o do purgatório é purificador.

O purgatório é uma verdade de fé que deve causar em nós alegria e esperança. Mesmo que a nossa purificação comporte sofrimento, ela é essencialmente um dom de Deus. Essa purificação deve provocar em nós gratidão, pois decorre do fato de nossa purificação eliminar tudo o que se opõe à plena comunhão com Deus e impede a perfeita alegria do encontro com o Senhor.

A doutrina do purgatório está intimamente ligada com a da oração pelos falecidos (sufrágio). Quem deve prestar contas dos seus atos a Deus e sofrer uma eventual purificação nunca está sozinho. A Igreja acompanha solidariamente os que são purificados com a oração, a esmola e as obras de penitência. A Igreja intercede pelos que estão no purgatório e oferece por eles o sacrifício eucarístico no qual Cristo nos associa à sua oblação perfeita ao Pai.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba