João Alvarenga
As agruras dos canhotos
Ser canhoto nesta vida não é nada fácil. Os canhotos sabem muito bem do que estou falando. E falo com propriedade! Afinal, desde que me conheço por gente, nestes meus 62 anos, tenho enfrentado muitas agruras, pelo simples fato de que — por razões que a própria razão desconhece — meu cérebro, um dia, simplesmente decidiu que a minha mão esquerda seria mais hábil do que a direita. Ledo engano! Pois, passei a ter dificuldades terríveis para executar todas as tarefas do cotidiano, das triviais às complexas. Para piorar, minha coordenação motora, associada a uma contínua tendinite, não ajuda muito quando assunto é realizar atividades precisas.
Na verdade, esse drama começou, a partir do momento em que me descobri canhoto, pois vieram os problemas. E não foram poucos. Foge-me, agora, quando essa “rebeldia” cerebral começou. Talvez, isso tenha se revelado lá no antigo Jardim da Infância, como chamavam o Fund1, antigamente, quando as crianças usavam a famosa cartilha Caminho Suave. Acredito que meu cérebro, ingenuamente, esqueceu-se de um pequenino detalhe: parece que o mundo foi concebido para os destros. Ou seja, quase tudo foi feito para eles, porque (aparentemente) parece que são mais hábeis do que os canhotos.
Alguém pode indagar: então, o mundo funciona melhor pela direita? Talvez! Pelo menos na vida prática. Pois, basta olhar, atentamente, o entorno, para constatar que quase todas os utensílios foram concebidos para atender ao pessoal que tem o pleno domínio da mão direita. Parece que os direitistas enfrentam menos dificuldade para executar tarefas rotineiras, como abrir uma simples lata de milho verde. Quem é destro faz isso rapinho. Já o canhoto, coitado, leva uma eternidade. Pelo menos, no meu caso, isso parece algo impraticável, porque a posição do abridor de latas sempre fica ao contrário. Para facilitar à vida dos canhotos, agora, as latas de sardinha têm um lacre.
Nessa trajetória, enfrentei outras barreiras: desenhar, recortar, parafusar. Tocar violão nem pensar. Na escola, a coisa ficou séria porque minha letra me condenava. Era puro garrancho. Os professores me chamavam a atenção. Nunca consegui corrigi-la. Até que tentei. Tanto que usei caderno de caligrafia, mas não resolveu. Mudei de canetas e nada! À medida que o tempo passava, a escrita só piorava. Detalhe: no meu tempo de escola, quase não havia carteiras para canhotos. No começo, minha professorinha batia (de leve) com a régua na minha mão esquerda, para que eu abandonasse “aquele mau vício”. Pelo jeito, esse método pedagógico não deu muito certo. Desse drama, o que tranquiliza é o fato de saber que não estou sozinho nessa bravata. Afinal, há lista enorme de canhotos famosos, entre eles, o gênio Leonardo da Vinci.
É mister destacar que o domínio de mão (esquerda ou direita) passa longe de questões ideológicas. Ou seja, esse tema não tem raiz na política. Aliás, ser destro ou canhoto independe de questões partidárias. Até porque uma pessoa pode ser um canhoto convicto e simplesmente votar na direita ou vice-versa. Uma dúvida persiste: quais fatores determinam essa escolha? Essa questão interessa muito à educação. Pois, é na escola, quando a criança começa o letramento, que isso se evidencia. No começo, os aluninhos escrevem com as duas mãos. Depois, fazem a opção de mão. Os pais devem encarar esse processo com naturalidade.
Por sorte, há muitos avanços nessa área, tanto que os cientistas comprovaram algo que já era notório: o domínio da mão, seja direita ou esquerda, é uma ação determinada pelo cérebro, desencadeada por fatores genéticos. Além disso, o lado direito controla a mão esquerda, e o esquerdo a mão direita. Por isso, os psicopedagogos são unânimes em afirmar que é totalmente traumático tentar forçar uma a criança canhota a escrever com a mão direita. Ou vice-versa. Não existe treinamento algum que a faça mudar. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação.