Dom Julio Endi Akamine
Obediência e unidade
A obediência dos fiéis e a unidade da Igreja estão profundamente relacionadas: a obediência conduz à unidade da Igreja. Sem obediência, a unidade se desfaz. Sem a unidade, a obediência pode se tornar autoritarismo.
A unidade da Igreja não é a unidade do exército nem a de uma empresa; é unidade de coração entre os fiéis fundada na comunhão com Deus. “Quem me ama, guarda as minhas palavras” (Jo 14,23).
Precisamos distinguir entre duas formas ou níveis de obediência para a unidade que estão intimamente relacionadas: a obediência da fé e a obediência ao Magistério.
A Revelação divina é uma iniciativa amorosa de Deus finalizada a estabelecer com o ser humano uma comunhão de vida. Deus vem ao nosso encontro como amor que se propõe, como liberdade que se oferece, como graça que quer fazer de nós os interlocutores de um diálogo de amizade. É a própria revelação divina que reclama a livre e responsável resposta do homem, resposta essa que nós chamamos de fé.
A fé consiste no “escutar” a palavra da pregação que nos conduz à “obediência da fé”. Vice-versa a obediência da fé leva à escuta da pregação. Para chegar à fé, não basta um processo reflexivo puramente racional, mas é necessária uma conversão interior. Por isso, pode-se dizer que a fé é ato da vontade, uma atividade do homem que livremente se submete à vontade divina e que se entrega pessoalmente a Deus. Essa entrega confiante compromete o homem todo. Com a fé, a pessoa humana se entrega confiantemente ao Deus que se revela.
A fé é uma atitude pessoal que imprime uma orientação nova e definitiva à vida do homem; surge no mais profundo da sua liberdade uma vez que o ser humano é internamente convidado pela graça divina. Ela abrange toda a pessoa humana, em sua inteligência, vontade e ação, por isso, ao aceitar as exigências de Deus, o homem não vê nelas mandamentos impostos, mas o convite a uma coerência na vida. A fé, por fim, obriga em consciência quem a abraça, mas não destrói a sua liberdade, antes a manifesta, a expressa e a eleva.
Na condição terrena da Igreja, a unidade pode ser considerada a partir de suas perspectivas inseparáveis e distintas entre si: dos meios externos e da realidade interiorizada. A unidade eclesial é, ao mesmo tempo, unidade de comunhão espiritual (de graça e de salvação) e unidade nos meios para encontrar e alcançar a salvação. A obediência da fé nos leva à comunhão espiritual e a buscar os meios da salvação.
A unidade externa da Igreja católica é uma tríplice unidade: “unidade na confissão de uma só fé, na comum celebração do culto divino e na fraterna concórdia da família de Deus” (UR 2,4). Ao serviço dessa unidade visível se coloca o tríplice múnus do ofício episcopal de ensino, governo e santificação: “Jesus quer que seu povo cresça sob a ação do Espírito Santo, através da fiel pregação do Evangelho e da administração dos sacramentos, e mediante um governo amoroso realizado pelos Apóstolos e pelos seus sucessores — os bispos — e o sucessor de Pedro como chefe” (UR 2,4).
A obediência ao Papa e aos bispos não é obediência da fé, mas é obediência que concretiza a obediência da fé.
A unidade visível não está em função de si mesma. Ela é somente uma mediação e sinal da autêntica unidade interior, da unidade no Espírito de Cristo e na caridade, pois “não se salva, contudo, embora incorporado à Igreja, aquele que, não perseverando na caridade, permanece no seio da Igreja com o corpo, mas não com o coração” (LG 14,2).
Para os católicos, a unidade da Igreja tem, portanto, demarcações claras nos três vínculos visíveis de comunhão, demarcações que os fiéis não podem ultrapassar se não desejam romper com a unidade. A unidade na confissão da única fé, na comum celebração do culto e na concórdia fraterna da família de Deus, é uma unidade concreta cujos limites estão claramente marcados por sinais concretos de unidade. Por isso se separam da Igreja, os que se colocam contra a comunidade de culto e dos fiéis representada pelo bispo e pelo Papa (cisma) ou os que negam pública e obstinadamente um conteúdo essencial da fé comum (heresia).
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba