Nildo Benedetti
Filme do Youtube sobre Democracia (parte 4 de 6)
4. Totalitarismo e o ódio à Arte e à Cultura
Como escrevi na parte 2 desta série de artigos, minha proposta é estabelecer uma conexão entre totalitarismo e ignorância de um lado e, de outro, Democracia e razão, inspirado na frase “Democracia é mentes diferentes trabalhando juntas” escrita no curta-metragem do Youtube.
As ideias totalitárias atuais representam o retorno saudoso das ideias que, há pouco mais de um século, desembocaram nas ditaduras de extrema direita e de extrema esquerda no planeta. Um detalhe da obra ‘O processo do fascismo’ do mexicano David Alfaro Siqueiros, de 1939, mostra um ditador (síntese de Hitler e Mussolini), como um boneco mecânico giratório controlado por um parafuso, com uma florzinha numa das três mãos enormes e, em outra mão, uma tocha incendiando um prédio (O Reichstag, parlamento alemão). A cabeça tem dupla feição: de papagaio, animal que repete algumas poucas palavras do que ouve, sem entender o sentido, e de rato, que soma canalhice com esperteza. O movimento do parafuso permite ao boneco assumir o papel desses dois animais a qualquer momento. O boneco discursa para um exército em marcha e para uma multidão despersonalizada que sai de um buraco de ratos.
De modo geral entende-se por Modernidade o período que vai da segunda metade do século 18 e termina simbolicamente nas manifestações estudantis de maio de 1968 em Paris. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em suas obras, refere-se à obsessão pela ordem na Modernidade, em que a regra substitui o acaso e exige uniformidade de pensamento. Afirma que a fábrica, a prisão, o quartel militar, o asilo para pobres, a instituição de correção, o albergue, o hospital eram “fábricas de ordem”. O dístico positivista da bandeira do Brasil, “Ordem e Progresso”, é inspirado nessas ideias da Modernidade.
Hitler é produto legítimo da Modernidade. Aspirou a criar uma sociedade ordenada, perfeita, sem problemas sociais. É por causa dessa obsessão pela ordem e uniformidade de pensamento que os líderes autoritários odeiam a Arte e a Cultura. Arte e Cultura são questionadoras da ordem política e social vigente. Os regimes totalitários do passado e os aspirantes a ditadores de hoje se preocupam em manipulá-las ou atacá-las para evitar críticas às suas ideias.
Hitler condenava a Arte Moderna e se empenhava em resgatar a Arte greco-romana ou renascentista, que ele considerava padrões de beleza. A atitude de Hitler é compreensível, dentro de sua lógica totalitária. A arte moderna é a expressão da condição que cada um de nós experimenta, consciente ou inconscientemente, na vida cotidiana. É por isso que se utiliza de elementos que não são agradáveis ou harmoniosos: figuras humanas distorcidas, construções gramaticais sem sentido, músicas em que a dissonância predomina. Adorno diz que o conteúdo social se sedimenta na forma da obra de arte. Esses elementos formais que frequentemente chocam o público parecem ter algo de irracional, mas essa irracionalidade estética, diz Adorno, é mais racional e verdadeira do que a aparente racionalidade da vida cotidiana expressa nos clichês do entretenimento de massa. O prazer que a Arte proporciona é o de dar alguma luz à complexidade que governa a individualidade e a vida social.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec