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Dom Julio Endi Akamine

Fé, esperança e autossuficiência

13 de Dezembro de 2024 às 21:30
Cruzeiro do Sul [email protected]
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. (Crédito: CNBBSUL)

A fé é um grande dom. Segundo a carta aos Hebreus (11,1-2.8-19): “a fé é um modo de possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem”. Segundo essa definição, a fé não é somente um crer, mas também um esperar. Com efeito, a fé sempre está ligada à virtude da esperança. A esperança desempenha na vida de fé um papel preponderante. Na realidade, esperança e fé são inseparáveis: a fé nos garante a realidade daquilo que é objeto de nossa esperança.

A carta aos Hebreus nos põe diante da alternativa: encarar a vida a partir da fé ou entendê-la a partir de nós mesmos. Entender a vida a partir de nós mesmos significa ter uma concepção da vida baseada na suficiência humana ou nas circunstâncias e possibilidades que a vida nos oferece no aqui e no agora. Nada há para além das realidades que vemos com nossos próprios olhos, nem futuro no qual as coisas sejam melhores do que no presente.

Entendida a partir da fé, a vida se revela como uma peregrinação para uma pátria melhor com a certeza de um futuro que nos espera e que compensará todas as renúncias e sacrifícios que a própria fé nos impõe no presente.

A primeira concepção da vida estava muito difundida na sociedade e na cultura da época da Carta ao Hebreus, sobretudo na filosofia do estoicismo. O estoicismo proclamava a superação e o desprendimento das coisas deste mundo a fim de alcançar a paz interior e a segurança superior às coisas e comodidades que este mundo podia dar. No fundo, o estoicismo almejava a suficiência humana: a felicidade estoica não dependia das frágeis garantias que o mundo podia oferecer; era preciso buscar em si mesmo a garantia e a estabilidade da felicidade. Por isso, julgavam o cultivo da virtude como suficiente para a felicidade.

A escolha do caminho da fé é apresentada concretamente a partir do exemplo de grandes personagens do Antigo Testamento. Dentre tantos exemplos de fé, São Paulo se detém mais longamente no exemplo eloquente de Abraão.

“Foi pela fé que Abraão obedeceu à ordem de partir para uma terra que devia receber por herança”. A vida de Abraão foi determinada e guiada pela fé. Sua vida foi uma longa peregrinação em busca da promessa divina: Abraão “esperava a cidade alicerçada que tem Deus mesmo por arquiteto e construtor”.

Também a morte foi entendida a partir da fé e nela foi ancorada. A morte não diminuiu, ao contrário, intensificou a certeza do que Abraão esperava. Apesar de ter morrido sem ter visto cumprida a promessa, Abraão a avistou de longe, como um peregrino que avista a meta do seu caminho sem o ter alcançado. “Todos estes morreram na fé. Não receberam a realização da promessa, mas a puderam ver e saudar de longe e declararam como estrangeiros e migrantes nesta terra”. Assim ele perseverou na fé. Abraão e os outros patriarcas se comportaram dessa maneira por causa do desejo que tinham de uma pátria para além deste mundo visível, porque pensavam na cidade que Deus lhes tinha preparado.

Os patriarcas encontraram assim a sua pátria em Deus, a quem pertenceram pela fé durante a peregrinação terrestre. Deus reconheceu e recompensou esse modo de viver a vida a partir da fé. “Por isso Deus não se envergonha deles, ao ser chamado seu Deus, pois preparou uma cidade para eles”.

Vivo a partir da fé ou da minha autossuficiência?

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba