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Nelson Fonseca Neto

A perfeição não existe

19 de Dezembro de 2024 às 21:17
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Sou o primeiro a reconhecer: minha relação com os avanços tecnológicos é instável. Conheço gente que tem isso mais bem resolvido. (Antes que apareça algum ranheta da gramática: dá pra usar “mais bem” numa boa.)

Sou entusiasta do computador substituindo a máquina de escrever. Fico besta de ver aparelho de ar-condicionado silencioso. Caso haja necessidade, consigo deslocar tranquilamente a televisão de tela plana lá na sala. Daria pra falar dos avanços da medicina. Pago as contas pelo celular, no aconchego da alcova. Não consigo abrir mão dessas dádivas.

Mas tem hora que bate a nostalgia. Eu estava descendo a pé a rua XV de Novembro e resolvi olhar melhor o prédio do Banco do Brasil. Pelas portas de vidro, vi o térreo. Mudou muito, e confesso que aquilo me entristeceu. Tornou-se um salão enorme, dominado pelos caixas eletrônicos.

Longe, muito longe do cenário que frequentei bastante na adolescência. Como morávamos ali perto, virava e mexia meus pais pediam pra eu ir até o banco fazer um depósito ou pagar uma conta. Eu reclamava, não tanto pelo trajeto, mas pela perspectiva das filas. O térreo quase sempre era tomado pela balbúrdia dos clientes e dos funcionários do banco.

Não tinha celular quando eu era adolescente. A gente tinha que gastar o tempo na fila olhando ao redor ou batendo papo com desconhecidos. Eu gostava de olhar ao redor e inventar histórias para aquelas pessoas. Eu também ficava na torcida pra ser atendido por um(a) funcionário(a) gente boa. Ainda bem que a esmagadora maioria era gente boa. Eu ficava fascinado com a destreza daqueles funcionários em todas as operações. Meu avô Nelson foi funcionário de carreira do Banco do Brasil, e vai ver vem disso o meu encanto.

Estar naquele salão, apesar do tédio de vez em quando, dava uma sensação aconchego. Eu me sentia protegido naquele burburinho. Essas coisas a gente só percebe depois que acaba. No calor da hora, a gente reclama; depois, fica chorando as pitangas. A vida é assim mesmo.

Calhou de, ontem mesmo, eu ter lido um livro sensacional do Boris Fausto: “Negócios e ócios”, em que o escritor conta a história de sua família e os primeiros anos de sua vida em São Paulo, nas décadas de 30 e 40. Como o Boris Fausto escreve bem pra caramba, ele traz vividamente para o leitor o cotidiano da São Paulo daquela época.

Aí, já viu, né? O passadista aqui começa a imaginar como seria viver num mundo povoado por bondes e telefones com fio. Peguei os estertores do telefone com fio, e lamento profundamente o seu fim. Eu gostava de ver, nas casas, o cantinho do telefone. E sempre vou achar estranho andar e falar ao telefone ao mesmo tempo. Ainda mais em ambientes fora de casa. Não consigo falar berrando nas chamadas do celular.

Sei razoavelmente bem como era a vida numa cidade grande ou média nos anos 30 e 40. Gosto de ler os relatos da época. Bate uma tristeza só conhecer aquilo de orelhada. Acho que eu me daria melhor num mundo com bondes e trens. Eu certamente seria um ouvinte alucinado de programas radiofônicos. Eu iria aos auditórios das grandes rádios acompanhar os programas. Na volta, eu conheceria a minha cidade embalado pela velocidade amena do bonde. Eu trabalharia uma parte do tempo como professor e outra parte como repórter policial.

No meu mundo ideal, haveria uma fusão dos anos 40 com as comodidades atuais. Como diria o sábio: “Mamar na vaca você não quer, né?”. O ser humano é um bicho complicado.