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Alexandre Garcia

Democracia é essência

08 de Janeiro de 2025 às 22:20
Cruzeiro do Sul [email protected]
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. (Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

 

O presidente Lula promoveu um ato pela democracia neste 8 de janeiro, no Palácio do Planalto. Dois dias depois, a embaixadora que representa o Chefe de Estado brasileiro vai dar seu testemunho à posse de Nicolás Maduro em Caracas, no dia em que ele deveria deixar o poder. Todo mundo sabe que Maduro perdeu a eleição. Mas vai tomar posse porque decidiu que não perdeu. Mandou parar a contagem quando já haviam sido apurados 83,5% dos votos e Maduro tinha 30%, enquanto o opositor embaixador Edmundo Gonzalez tinha 67%. A oposição tinha fiscais em todas as sessões, que iam registrando as atas da apuração. O resultado desfavorável a Maduro foi atestado pelo Carter Center, insuspeito porque foi quem referendou a aprovação de Hugo Chavez no referendo de 2004.

Para reconhecer o resultado de 51,2% alegado pela contagem oficial, Lula pediu as atas, que nunca foram apresentadas - o que confirma o resultado aceito pelo Carter Center, ONU, União Europeia, entre outros. A Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos promoveu um acordo prévio em Barbados, assinado pela Venezuela, se comprometendo com eleições limpas. O Itamarati chegou a denunciar que Maduro não cumpriu o acordo. Lula foi chamado de agente da CIA pelo Procurador-Geral da Venezuela, preposto de Maduro. E ainda assim, o Brasil, que festeja a democracia hoje, amanhã participa de uma posse ilegal, anistiando Maduro sobre as atas da eleição venezuelana. O vencedor, Edmundo Gonzales, foi recebido em triunfo na Casa Rosada e na Praça de Maio, em Buenos Aires; depois pelo presidente do Uruguai, em seguida pelo presidente Biden em Washington. O presidente dos Estados Unidos se referiu a Gonzales como “presidente eleito da Venezuela”. Pelo Brasil, passou ao largo. Deve ter sabido que não seria recebido por Lula. Oportunidade perdida pelo governo brasileiro, para exigir democracia na vizinhança e confirmar convicções democráticas, como já fizeram oito países da região.

A propósito, se o ato deste 8 de janeiro é pela democracia, deverá ser também pelo estrito cumprimento da Constituição. Afinal as autoridades convidadas juraram cumprir e defender a Lei Maior. É a Constituição que estabelece os fundamentos do devido processo legal, do juiz natural, do amplo direito de defesa; é a Constituição que veda todo e qualquer tipo de censura, que garante a livre manifestação do pensamento, sem anonimato; que garante a todos o acesso à informação, à livre locomoção e o direito de reunião sem armas; que torna deputados e senadores invioláveis por quaisquer palavras; que estabelece a competência privativa do presidente da República de conceder indulto, e a competência privativa do Ministério Público da ação penal pública. Seria a grande oportunidade, neste 8 de janeiro, de exigir o “retorno aos quadros constitucionais vigentes” - para repetir a palavra de ordem que resolveu a crise institucional de 1955, com a posse de JK.

A intenção é um evento de propaganda política e de intimidação ao direito de protestar - mas não agir com sinceridade pelos princípios democráticos que os constituintes de 88 inscreveram nas cláusulas pétreas da Lei Maior, que já foram relativizadas. Assim, nossa democracia fica tão relativa quanto à venezuelana, à que se referiu Lula em 2023. Se a Constituição deixa de ser inflexível, tudo mais é insegurança jurídica, vale dizer insegurança social e pessoal. Pois democracia não é um rótulo. Ela é o próprio conteúdo, o cerne, essência da vida de uma nação. Uma democracia não pode ter censura, arbítrio. Democracia é liberdade de expressão, devido processo legal, segurança jurídica. É quando a Constituição fica acima de todos e ninguém acima dela.

Alexandre Garcia é jornalista