A pandemia dos acidentes de trânsito
Tulio Pereira Cardoso
Em fevereiro deste ano foi realizada a 3ª Conferência Ministerial sobre Segurança Rodoviária, em Estocolmo na Suécia, evento copatrocinado pela Organização Mundial da Saúde com mais de 80 representantes cujo objetivo é definir estratégias para salvar vidas.
Dias antes, Jean Todt ex-piloto, diretor da Federação Internacional de Automobilismo e enviado da ONU para a conferência, declarou que 1,35 milhão de pessoas perdem a vida anualmente em acidentes de trânsito. São 3.700 mortes por dia em todo o mundo, equivalente a sete acidentes de avião sem sobreviventes.
No Brasil, a Confederação Nacional dos Transportes registrou 67.427 acidentes em 2019 nas rodovias federais brasileiras, sendo 55.756 com vítimas, das quais mais de 5.000 mortes. O acidente mais letal foi a colisão, com mais de 3.300 mortes (62%). O segundo tipo foi o atropelamento com quase 20% das mortes.
Automóveis estiveram envolvidos em 45%, enquanto motocicletas responderam por 32% dos acidentes nas rodovias federais. Sem falar nos acidentes das zonas urbanas e nas rodovias estaduais.
Vale lembrar que de 2012 a 2018, as mortes nas rodovias federais tiveram queda de 39,2%, com sucessivas reduções a cada ano. E coincidência ou não, em 2019, houve novo aumento de vítimas, após o governo federal reduzir a fiscalização de velocidade nas vias federais, cancelando contrato com radares, decisão essa contestada pela Justiça Federal que determinou o retorno dos equipamentos.
Celso Alves Mariano, diretor do Portal do Trânsito, revela que num contexto onde a fiscalização é oficialmente demonizada e parte dos usuários do trânsito quer ter menos restrições, as medidas implementadas ou propostas, podem ter sido percebidas como uma mensagem de liberou geral. É temeroso simplesmente associar uma coisa à outra, mas é inegável que um assunto sensível como o trânsito merecia ter tido maior cuidado na comunicação.
No início do ano passado o governo federal lançou a Operação Rodovida 2019 envolvendo os Ministérios da Saúde, Infraestrutura, a Polícia Rodoviária Federal e órgãos governamentais de estados e municípios, com o objetivo de reduzir toda forma de violência no trânsito.
De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal, as principais causas de acidentes rodoviários em 2019 foram: falta de atenção 37,1%, desobediência às normas de trânsito 12%, velocidade incompatível com a permitida 8,9% e consumo de álcool 8,0%. Chamo atenção para o uso do celular ao volante, certamente uma das causas mais comuns de acidentes. Some-se a isso a má conservação de estradas e de veículos e a irresponsabilidade de motoristas alcoolizados ou drogados. Isso é uma guerra anunciada. Isso é uma pandemia!
Estudo do Insurance Institute for Highway Safety dos Estados Unidos conclui que velocidade excessiva ceifou pelo menos 33 mil vidas nos últimos 20 anos, e que a cada aumento de 8 km/h nos limites de velocidade máxima, ocorreu um crescimento de 4% nas mortes. Quanto maior a velocidade, menos tempo para responder a uma situação de perigo e mais graves as lesões, principalmente nas ultrapassagens proibidas.
A sexta edição do movimento Maio Amarelo, que tem como lema neste ano “no trânsito, o sentido é a vida”, tem como objetivo educar população, empresas e governos. O amarelo simboliza atenção e o mês de maio originou-se de um decreto da ONU, de 11 de maio de 2011 que definiu a Década de Ação para Segurança no Trânsito. A proposta é chamar a atenção da sociedade para o alto índice de vítimas em todo o mundo.
O Projeto Vida no Trânsito é realizado em parceria com municípios e ressalta a importância da articulação do setor saúde com o trânsito no cumprimento do Código de Trânsito Brasileiro e na observação de dados como informação qualificada, monitoramento das lesões e mortes e fatores de risco, prevenção e cuidados pré-hospitalar, hospitalar e de reabilitação ofertado às vítimas. A Ortopedia e Traumatologia está diretamente envolvida no tratamento dos sobreviventes dessa guerra.
A melhora no atendimento dos serviços de resgate traz vítimas vivas e com lesões cada vez mais graves, devido ao aumento da potência dos automóveis e ao crescente número de motocicletas.
O Conselho Federal de Medicina estima que o Sistema Único de Saúde gastou quase R$ 3 bilhões com mais de 1,6 milhão de feridos nos últimos dez anos. Em 2018 o SUS gastou R$ 265 milhões só com acidentados de trânsito representados por mais de 183 mil internações. 60% das vítimas têm idade entre 15 e 39 anos, ou seja estão normalmente concluindo estudo fundamental e começando entrar no mercado de trabalho. Além das sequelas físicas e o prejuízo econômico pessoal, para o estado fica a despesa com os benefícios legais do acidentado, além daquelas com a recuperação da saúde.
Essa pandemia dos acidentes de trânsito é um grave problema de saúde pública mundial, sobrecarregando os serviços de emergência, internações hospitalares e ocupação de salas cirúrgicas e leitos de UTI. O arsenal terapêutico ortopédico cada vez mais eficiente é cada vez mais caro.
Todos precisam combater essa guerra cobrando melhor legislação e fiscalização, punição rigorosa para os infratores, educando nossa população e dando exemplos. Use o cinto de segurança, respeite os limites de velocidade, verifique as condições do seu veículo antes de viajar, não use celular dirigindo, e se beber... não dirija. É simples e salva vidas, inclusive a sua.
sites sugeridos: www.cnt.org.br/painel-acidente www.maioamarelo.com www.roadsafetysweden.com/about-the-conference/stockholm-declaration/
Dr. Tulio Pereira Cardoso - Título de Especialista da Soc. Bras. de Ortopedia e Traumatologia e Coordenador da Preceptoria de Ortopedia do Hospital Santa Lucinda PUCSP. E-mail: [email protected]