Buscar no Cruzeiro

Buscar

Hanseníase: doença antiga, mas muito atual

06 de Novembro de 2019 às 00:01

Karem Christine Corrêa e Silva

A hanseníase, anteriormente conhecida pelo nome de lepra, é uma das mais antigas doenças que acometem o homem. Acredita-se que seja originária da Ásia ou África, pois já existia no Egito quatro mil anos antes de Cristo, segundo achados da época de Ramsés II. A palavra lepra se mostrava quase como uma maldição. Os leprosos eram tidos como pessoas pecadoras, sujas e que mereciam ser castigadas pelos seus atos impuros ou, ainda, serem provadas por Deus.

Não há referências de Hipócrates (pai da Medicina) a esta moléstia. Aceita-se que as tropas de Alexandre, o Grande, tenham trazido indivíduos contaminados nas campanhas na Índia (300 a.C.) e, então, a partir da Grécia, a Doença de Hansen foi disseminando-se para a Europa.

Na Idade Média, para profilaxia da doença, os doentes eram isolados da população sadia. Na França, esse isolamento era tão rigoroso que incluía a realização de um ofício religioso semelhante a um enterro. Os hansenianos eram obrigados a usar vestimentas características (túnicas beges, pardas ou escuras) que os identificavam como doentes, além de terem de soar uma sineta ou matraca para avisar os sadios de sua aproximação.

A Europa chegou a ter quase 20 mil leprosários, e sua desativação foi gradual conforme as melhorias das condições socioeconômicas. Contudo, mantiveram-se os focos endêmicos na Ásia e África.

A chegada da hanseníase ao Brasil ocorreu pela colonização dos portugueses e, também, com a vinda dos escravos trazidos da África. Os primeiros casos datam de 1600, no Rio de Janeiro, onde foi criado o primeiro lazareto, local destinado a abrigar os doentes de Lázaro, lazarentos ou leprosos.

Em 1912, Emílio Ribas destacou a importância da notificação compulsória e de se tratar a enfermidade com rigor científico, além do “isolamento humanitário” em hospitais-colônias que não apenas abrigassem os doentes, mas também trabalhassem a profilaxia, como afastar os filhos recém-nascidos sadios e colocá-los em educandários ou preventórios para dar-lhes assistência.

Em nossa região, temos até hoje alguns pacientes remanescentes do antigo asilo-colônia Pirapitingui, fundado em 1933 e situado entre Sorocaba e Itu, onde trabalho há mais de 20 anos.

A mudança de nome para hanseníase ocorreu no Brasil nos anos 70, para afastar o preconceito ligado à palavra lepra, além de favorecer a educação para a saúde. Na década de 80, a Organização Mundial da Saúde passou a recomendar a poliquimioterapia, fornecida gratuitamente pelo governo para controle e cura da doença.

A hanseníase, além de ser negligenciada, constitui-se em relevante problema de saúde pública. Nosso país é o segundo no mundo em número de casos novos, ficando somente atrás da Índia. Por isso, a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) tem se empenhado em colaborar com as ações dos governos e instituições brasileiras, no sentido de livrar o país dessa doença.

Em Sorocaba, assim como em outros locais, houve aumento no número de casos diagnosticados nos últimos anos, sendo a maior parte deles de pacientes com formas mais avançadas, inclusive acometendo crianças, o que possivelmente reflita as dificuldades de suspeição e diagnóstico inicial.

A hanseníase é uma doença crônica, infecciosa, causada pelo Mycobacterium leprae, que afeta pele e nervos periféricos e tem alto potencial para produzir deformidades. Estas, além de impedirem que o indivíduo possa trabalhar, por vezes, estigmatizam-no. Contudo, para contrair a doença, é necessário um contato muito íntimo e prolongado com portadores dela. Além disso, 90% da população é imune naturalmente.

Os sintomas da hanseníase podem ser sensação de formigamento, fisgadas ou dormência nas extremidades; manchas brancas ou avermelhadas na pele; perda da sensibilidade ao calor, frio, dor e tato; áreas da pele aparentemente normais que têm perda de pelos e diminuição de suor; nódulos e placas em qualquer local do corpo; úlceras de pernas e pés; e diminuição da força muscular da face, mãos e pés, devido à inflamação dos nervos, que podem estar dolorosos.

Fique atento e, caso apareça qualquer suspeita ou dúvida, procure a unidade de saúde mais próxima da sua casa.

Karem Christine Corrêa e Silva é dermatologista e hansenóloga, preceptora e mestranda da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUC-SP, campus Sorocaba