Editorial
A muleta das notas oficiais
Faz falta, nesses momentos, porta-vozes com coragem suficiente para dar as caras, aparecer e contar a realidade de cada bairro, de cada município
Mais de um milhão de paulistas enfrentaram, no fim de semana, o drama de ficar sem energia elétrica. O temporal de sexta-feira (3) afetou as linhas de distribuição de vários municípios e a recuperação do sistema foi bem mais lenta do que se esperava. Nesta segunda-feira (6), cerca de 500 mil paulistas ainda estavam sem eletricidade em suas casas e negócios.
Durante essas horas sem energia elétrica, o que mais se viu foi desinformação. As linhas de comunicação entre as empresas concessionárias e a população entrou em colapso, e ninguém conseguia descobrir em que momento seu problema seria resolvido.
Diante desse mar de dúvidas, os meios de comunicação, como o jornal Cruzeiro do Sul, por exemplo, passaram a ser uma válvula de escape para as reclamações que vinham de diversas ruas, de diversos bairros, de diversas cidades.
Os mais diferentes dramas foram relatados nos últimos dias. Pessoas que, com razão, reclamavam da falta de respostas não só das concessionárias como também do poder público responsável por fiscalizar e cobrar a eficiência dos serviços ofertados. Os prejuízos causados pelo temporal atingiram todas as classes sociais, desde os mais humildes até aqueles que vivem em casas luxuosas nos bairros nobres.
Famílias relatavam o drama de pacientes que precisam da energia elétrica para se manter vivos. Os aparelhos que dão sustentação à vida corriam o risco de parar, caso a demora se prolongasse muito. Outras pessoas contavam que estavam impedidas de sair de casa, os portões movidos à eletricidade não podiam ser acionados e estava difícil encontrar um serralheiro que pudesse solucionar o problema.
Empresas, dos mais diversos ramos, também enfrentaram dificuldades com a falta de energia elétrica. Algumas sequer puderam abrir as portas para atender à clientela. Ficaram fechadas, às escuras, esperando que o sistema se restabelecesse.
Outras, para não perder o estoque que dependia de refrigeração, decidiram vender tudo a preços reduzidos. Nem a área rural escapou dos efeitos do temporal de sexta. Uma produtora de leite contou ao jornal que as vacas estavam sofrendo com a falta de ordenha. Os equipamentos não podiam ser ligados sem a eletricidade e não havia mão de obra suficiente para fazer o trabalho manualmente.
Todos esses relatos aguardavam uma explicação, uma solução. Só que o posicionamento dos responsáveis só vinha através de vagas notas oficiais, escritas, muitas vezes, por profissionais que estão bem longe do drama que as pessoas estão enfrentando. Notas oficiais que têm como objetivo comunicar o que todo mundo já sabe e esconder a resposta que todo mundo quer saber.
Faz falta, nesses momentos, porta-vozes com coragem suficiente para dar as caras, aparecer e contar a realidade de cada bairro, de cada município. Prestar à população as informações devidas, sem medo de se comprometer. Se esconder atrás de burocráticas notas oficiais não contribui, em nada, para apaziguar o drama vivido por tantos.
É importante ressaltar o empenho dos funcionários envolvidos nas operações de campo. A esses não faltou o devido esforço para recuperar, o quanto antes, a capacidade total de distribuição de energia. Muitos chegaram a trabalhar por mais de 16 horas diárias seguidas, em condições das mais difíceis, para consertar aquilo que o vento e a chuva estragaram.
O que se espera, daqui para frente, é que as empresas concessionárias e o próprio poder público se unam para montar esquemas de emergência mais eficientes. Mesmo que a solução de um determinado problema não possa ser imediata, é fundamental que a população esteja bem informada e ciente do que vai ter que enfrentar.
Não podemos aceitar que lideranças empresariais bem remuneradas, na hora mais importante e dramática do processo, desapareçam. São essas lideranças que devem vir a público apresentar esclarecimentos. Que a muleta das notas oficiais seja substituída pelo olho no olho daquele que tem o dever de resolver cada problema.