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Editorial

Voos sigilosos

10 de Abril de 2025 às 21:30
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Com apuração dos jornalistas Matheus Vargas e Géssica Brandino, a Folha de S. Paulo de ontem (10) trouxe a informação de que, desde 2023, o governo Lula tem emprestado aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma decisão que gerou debates acalorados sobre a transparência e a utilização de recursos públicos, principalmente nessa fase pelo qual o País atravessa, de caos econômico, e a necessidade de se economizar dinheiro público.

Segundo reportagem do jornal paulistano, “a Folha obteve as informações por meio de pedidos baseados na Lei de Acesso à Informação após detectar a presença frequente, em relatórios publicados no site da FAB, de voos classificados como ‘à disposição’ do Ministério da Defesa, sem revelar o requerente. Com os novos dados, foi possível descobrir que a maior parte das solicitações dos aviões partiu do Supremo e que ministros da corte realizaram pelo menos 154 viagens do início de 2023 até o fim de fevereiro de 2025”.

E o texto continua: “Um dos passageiros frequentes é Alexandre de Moraes, responsável pelas principais investigações contra bolsonaristas. Além de participar das agendas do tribunal em Brasília, o ministro tem residência em São Paulo e dá aulas na Faculdade de Direito da USP. No mês passado, como mostrou a Folha, Moraes usou aeronave da FAB na véspera de acompanhar, no estádio, o título conquistado pelo Corinthians no Campeonato Paulista”.

A notícia não repercutiu bem, principalmente por causa do sigilo de passageiros, imposto pelo governo que empresta os aviões da FAB.

É fato que o decreto de 2020, que regula as viagens nos aviões da FAB, permite o uso das aeronaves pelos presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, além de ministros do governo e comandantes militares. A lista não inclui explicitamente ministros do STF, mas afirma que o Ministério da Defesa pode liberar os voos de outras autoridades nacionais e estrangeiras.

O governo Lula justifica que as aeronaves são usadas pelos ministros do STF por causa de ameaças feitas a ministros do tribunal desde os ataques de 8 de janeiro e que o sigilo é necessário por razões de segurança.

Nesse caso, o sigilo pode ser justificado nas viagens feitas por motivo de segurança, mas deve ser suspenso assim que o deslocamento for concluído. Para a Folha, especialistas em transparência, disseram que não há justificativa para negar informações sobre voos que já foram concluídos.

Afinal, qualquer uso de dinheiro e patrimônio público móvel ou imóvel exige a necessária transparência, seja quem for que usufrua. Recentemente, os gastos da primeira-dama também se tornaram tema polêmico. Embora o gabinete de Janja não exista oficialmente como uma estrutura do governo, pelo menos oito pessoas trabalham diariamente com a mulher de Lula. Fazem sua assessoria e a acompanham em viagens pelo mundo afora. Quase todos ficam lotados no gabinete pessoal do presidente. A equipe custou, em média, R$ 1,9 milhão por ano em 2023 e em 2024. As polêmicas vieram na mesma toada, por causa do sigilo de gastos da primeira-dama.

No caso do uso dos aviões da FAB pelos ministros — autoridades constituídas e detentoras de cargos públicos —, o governo insiste na tese de que a medida visa facilitar o deslocamento deles, desprezando, portanto, os públicos com os deslocamentos dos ministros.

A decisão de emprestar aviões da FAB ao STF não é inédita, mas a imposição de sigilo sobre a lista de passageiros é um ponto que merece atenção. Em um contexto no qual a transparência é cada vez mais exigida pela sociedade, a falta de clareza sobre quem está utilizando esses recursos públicos pode ser vista como um retrocesso. O sigilo, embora justificado pelo governo como uma questão de segurança, pode alimentar desconfianças e especulações sobre o uso indevido de aeronaves oficiais.

A utilização de aviões da FAB para o STF pode ser interpretada como uma tentativa de garantir a eficiência e a agilidade nas atividades do tribunal, especialmente em um momento em que o Brasil enfrenta desafios jurídicos e políticos significativos. No entanto, a falta de transparência em relação aos passageiros levanta preocupações sobre a possibilidade de favorecimento ou uso inadequado dos recursos públicos. A sociedade tem o direito de saber quem está utilizando esses meios de transporte e em quais circunstâncias, especialmente quando se trata de uma instituição que desempenha um papel crucial na manutenção da democracia e do Estado de Direito.

Além disso, a decisão de manter sigilo sobre a lista de passageiros pode ser vista como um reflexo de uma cultura de opacidade que ainda persiste em algumas esferas do governo. Em um momento em que a população clama por maior transparência e responsabilidade, essa postura pode ser interpretada como uma falta de compromisso com os princípios democráticos. A confiança nas instituições é fundamental para a estabilidade política e social, e ações que parecem obscurecer a verdade podem minar essa confiança.

Por outro lado, é importante considerar os desafios logísticos enfrentados pelo STF. O Brasil é um País de dimensões continentais, e o deslocamento de ministros e servidores pode ser complicado e demorado. O uso de aviões da FAB pode, de fato, ser uma solução prática para garantir que o tribunal funcione de maneira eficaz. No entanto, essa eficiência não deve vir à custa da transparência e da responsabilidade.

Em suma, o empréstimo de aviões da FAB ao STF é uma questão que exige um equilíbrio delicado entre eficiência e transparência. O governo Lula deve considerar a importância de tornar públicas as informações sobre o uso desses recursos, garantindo que a sociedade tenha acesso a dados que promovam a confiança nas instituições. A transparência não é apenas uma exigência ética, mas uma necessidade para fortalecer a democracia e assegurar que os recursos públicos sejam utilizados de maneira justa e responsável. A sociedade brasileira merece saber como seus recursos estão sendo empregados, especialmente em tempos de incerteza política e econômica.