Editorial
O desafio do desodorante

O criminoso desafio do desodorante ganhou as páginas do noticiário policial nos últimos dias. De modo viral — e praticado por bandidos virtuais covardes, que se escondem no mundo perverso da Internet para impor a morte a crianças e adolescentes — esse desafio fez aumentar a preocupação de pais, educadores e autoridades, recentemente alimentada pela série Adolescência, da Netflix, que explora as influências tóxicas e misóginas às quais os jovens são expostos na internet, a partir da história de um garoto de 13 anos, acusado de assassinar uma colega de escola, levando a família, a terapeuta e o investigador do caso a se perguntarem: “O que realmente aconteceu?”.
O desafio envolve a aplicação excessiva de desodorante em spray na pele, em busca de likes e reconhecimento virtual, com consequências graves e até fatais. Está passando da hora de levar a sério os perigos dessa tendência e evidenciar qual é a responsabilidade que plataformas digitais têm em proteger seus usuários, principalmente os mais vulneráveis.
A Polícia Civil do Distrito Federal instaurou inquérito para investigar as circunstâncias da morte, no domingo (13), de Sarah Raíssa Pereira de Castro, de 8 anos, em Ceilândia (DF), vítima do desafio do desodorante. Segundo a Polícia Civil, a garota foi encontrada em sua casa, desmaiada, segurando um frasco de desodorante aerossol. A suspeita é de que a menina tenha inalado o produto após assistir ao desafio em uma rede social.
A morte de Sarah é a segunda de uma criança brasileira associada à divulgação do chamado desafio do desodorante em apenas um mês. Em 9 de março, Brenda Sophia Melo de Santana, de 11 anos, faleceu em Bom Jardim (PE).
O desafio rapidamente se transformou em uma competição entre adolescentes para ver quem consegue suportar a aplicação do desodorante por mais tempo. O que muitos não percebem é que essa prática pode causar sérios danos à saúde, incluindo queimaduras químicas, reações alérgicas e problemas respiratórios e a morte, como aconteceu com Sarah e Brenda.
Além dos riscos de morte, o desafio do desodorante também levanta questões sobre a pressão social que os jovens enfrentam nas redes sociais. A busca por aceitação e validação on-line pode levar adolescentes a adotar comportamentos autodestrutivos.
As plataformas digitais têm um papel crucial nesse cenário. Embora muitas delas tenham políticas para combater conteúdos nocivos, a velocidade com que os desafios se espalham muitas vezes supera a capacidade de resposta das redes sociais. É fundamental que essas empresas implementem medidas mais eficazes para monitorar e remover conteúdos prejudiciais, além de promover campanhas de conscientização sobre os riscos associados a esses desafios.
Os pais e educadores também desempenham um papel vital na proteção dos jovens. Conversas abertas sobre os perigos das redes sociais e a importância de cuidar da saúde devem ser incentivadas. É essencial que os adolescentes se sintam à vontade para discutir suas experiências on-line e relatar comportamentos de risco, sem medo de julgamento. O desafio do desodorante é um lembrete alarmante dos perigos que podem surgir na interseção entre a adolescência e o mundo digital.
Ontem (15), policiais civis do Rio de Janeiro realizaram uma operação voltada a desarticular um grupo criminoso que praticava crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes. A operação Adolescência Segura cumpriu mandados de prisão temporária e de busca e apreensão, além de internação provisória contra adolescentes infratores. São investigados crimes de ódio, de tentativa de homicídio, de instigação ao suicídio, de maus-tratos a animais, de apologia ao nazismo e de armazenamento e divulgação de pornografia infantil.
Os mandados foram cumpridos nos Estados do Rio, São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Sul, com apoio das polícias civis locais. Também participou da ação o Laboratório de Operações Cibernéticas da Secretaria Nacional de Segurança. Pelo menos dois homens foram presos e dois adolescentes, apreendidos.