Editorial
Futebol brasileiro no vermelho
Segundo informado na segunda-feira (28) pelo Footy Headlines, site referência em “vazar” camisas de clubes e seleções antes do lançamento, a seleção brasileira de futebol vestirá um uniforme número 2 na cor vermelha na Copa do Mundo de 2026, isso caso obtenha a classificação, em substituição à tradicional camisa azul.
Além disso, a produção deste uniforme estaria a cargo da Jordan, e não da tradicional Nike, e estaria disponível em março de 2026, ano do mundial sediado nos Estados Unidos, México e Canadá. Ninguém fala abertamente, mas muito dinheiro envolve esse negócio. A Nike paga 100 milhões de dólares por ano à CBF, além de royalties e outros valores variáveis.
No entanto, apesar de tudo parecer acertado para o lançamento do novo uniforme, a cor inédita da segunda camisa está em discordância com as regras da Confederação Brasileira de Futebol.
O seu estatuto determina que os uniformes “obedecerão às cores existentes na bandeira da CBF e conterão o emblema” da instituição, “podendo variar de acordo com exigências do clima, em modelos aprovados pela diretoria, não sendo obrigatório que cada tipo de uniforme contenha todas as cores existentes na bandeira e sendo permitida a elaboração de modelos comemorativos em cores diversas, sempre mediante aprovação da diretoria”. Ainda não está claro qual seria a comemoração que justificaria a camisa em vermelho que não a entrada de muito dinheiro.
Logicamente que essa notícia desagradou o mundo do futebol, pelo menos a maioria. A cor do novo uniforme foi assunto em milhares de rodas de conversas e de programas especializados em futebol. E ninguém gostou por motivos óbvios: “Não tem a a ver!”. Até possíveis intervenções políticas foram consideradas, o que aumenta o absurdo.
O apresentador Galvão Bueno detonou a possível troca do uniforme azul por um vermelho para a Copa do Mundo de 2026, na noite de segunda-feira, no programa Galvão e amigos, na Band.
“A história do futebol brasileiro é muito séria, muito rica, de momentos muito difíceis, mas de muitas conquistas... Apareceu alguém para cometer aquilo que eu considero ser um crime. Pra Copa do Mundo de 2026, a camisa azul vai deixar de existir e vai ser vermelha. O que tem isso a ver com a seleção brasileira? É uma ofensa sem tamanho! O que tem isso a ver com a história do futebol brasileiro? Eu tô muitíssimo na bronca”, afirmou.
O craque Neto, do Donos da Bola, da mesma emissora de Galvão, também não gostou: “Querer colocar camisa vermelha na seleção, vocês tão de sacanagem. Não é vermelha, não é roxa. A bandeira do Brasil é verde amarela e azul...a camisa da seleção é azul, amarela ou verde”.
Michel Bastos, comentarista da CNN Brasil e ex-lateral da seleção, também não concorda com a troca de cor. “Não se pode mexer em algo que é tradição, que é marcante”, disse o comentarista do programa Domingol com Benja.
A camisa azul foi usada pelo Brasil em 12 oportunidades durante Copas do Mundo. Foram oito vitórias, um empate e três derrotas (duas delas contra a Holanda), com 25 gols marcados e 17 sofridos. A última delas foi na derrota por 1 a 0 para Camarões na primeira fase do Mundial de 2022, no Catar.
Já a primeira foi na Copa de 1938, em triunfo por 6 a 5 sobre a Polônia, com três gols de Leônidas da Silva. Na época, o Brasil ainda atuava com camisa titular branca, a mesma cor do adversário, e por isso teve de improvisar com o uniforme de treino, em azul-celeste.
A camisa azul tem um bom retrospecto e uma lembrança histórica: foi usada no primeiro título do Brasil em uma Copa do Mundo, em 1958, na Suécia, em duelo contra os donos da casa.
Na ocasião, Pelé, Garrincha e companhia vestiram azul, pois os suecos entraram em campo de amarelo e naquela época ainda não existia a variação entre uniforme principal e reserva. Foi então que Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação — que ficou conhecido como Marechal da Vitória — sugeriu que a cor do uniforme fosse azul, por ser a cor do manto de Nossa Senhora, a padroeira do Brasil. A então Confederação Brasileira de Desportos comprou uniformes genéricos azuis e costurou números amarelos e os escudos, utilizando retalhos dos modelos titulares.
Além do Mundial de 1958, outros jogos marcantes na história da seleção brasileira foram com a camisa azul, como em 1994, nas quartas de final quando o Brasil bateu a Holanda e venceu a Suécia, na semifinal e, em 2002, quando o time que ergueria o penta, e eliminou a Inglaterra nas quartas de final.
Em torno de toda essa polêmica, sobre a cor da camisa da seleção, uma coisa precisa ser dita: A CBF tem coisa mais importante para cuidar. O futebol brasileiro é recheado de polêmicas envolvendo a arbitragem e, agora, mais recentemente o desorganizado VAR. A seleção segue sem técnico e tem uma participação medíocre nas eliminatórias da Copa de 2026. Está em 4º lugar entre os sul-americanos, com 21 pontos (10 a menos que a Argentina), com seis vitórias, três empates e cinco derrotas. O próximo jogo é dia 5 de junho contra o Equador. Além disso, tem uma gestão controversa e sustentada por polêmicas e mordomias, afinal fechou o ano de 2024 com um recorde histórico de receita de R$ 1,546 bilhão. A CBF é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, que deveria, apenas, atuar na organização e promoção do futebol no Brasil. Mudar a cor da camisa é mais do que desrespeitar uma tradição e o próprio estatuto. É jogar uma fumaça do “esquecimento” nas coisas que realmente precisam ser mudadas no futebol brasileiro.