Sorocaba
MP abre inquérito para investigar caso de mulher que agrediu cadela
Após mobilização, ontem à noite cadela foi resgatada em condomínio de luxo
O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) abriu inquérito civil para investigar o caso da mulher que agrediu uma cadela, com chutes e socos, em um condomínio de luxo na zona norte de Sorocaba. O episódio de violência ocorreu por volta das 19h de segunda-feira (13) e foi flagrado por uma moradora. Um protesto reuniu ontem (14), à tarde, aproximadamente 50 pessoas em frente ao residencial. À noite, o animal foi resgatado por ativistas e encaminhado para uma ONG em São Paulo, capital.
Segundo moradores do condomínio, a tutora tem outros dois cães e bate na fêmea frequentemente. Eles contam que, por volta das 19h de segunda-feira, começaram a ouvir gritos vindos da casa da mulher. Ao averiguarem a situação, a flagraram agredindo a cachorra. Uma moradora conseguiu filmar a situação. No vídeo, com duração de quase três minutos, a proprietária puxa a fêmea pelas patas, a chuta e a joga contra o chão várias vezes. Ela ainda grita frases como: “Tá chorando por que?”, enquanto o animal tenta escapar e chora. No vídeo, também aparecem outros dois cachorros.
Segundo uma residente, que preferiu não ser identificada, a cachorra vítima da violência não tem raça definida. Ainda de acordo com ela, a mulher agride a cadela todos os dias. “Já faz alguns meses que ouvimos muitos gritos e cachorro chorando e latindo. Achávamos estranho, porém, nunca imaginávamos que era esse tipo de agressão”, disse.
A família trata a cadela de maneira diferente dos outros dois cães, de acordo com a moradora. “Os donos passeavam com os cachorros da raça Border Collie, e essa outra (Pérola) passeava, mas poucas vezes”, contou. Ela disse que sempre que a via nos passeios, a cadela parecia assustada.
Agora, o MP pede à investigada que preste informações ao órgão no prazo de 30 dias. Ainda foi recomendado que a Prefeitura de Sorocaba apreenda os animais que vivem na casa da tutora. O processo foi encaminhado para a Promotoria de Justiça Criminal, para conhecimento e providências cabíveis.
A Secretaria do Meio Ambiente, Proteção e Bem-Estar Animal (Sema) informou que esteve no local ontem (14) e “tomou todas as medidas necessárias”. A agressora foi multada em R$ 3 mil, conforme determina a legislação municipal. Também foi solicitado um laudo pericial da cadela agredida, atestado por um médico veterinário.
Ainda de acordo com a Sema, o tutor, que estava com o seu advogado na casa, disse que os animais só seriam retirados do imóvel com uma medida judicial. A Polícia Civil também esteve no local, no momento em que foi feita a fiscalização, e dará o devido andamento à investigação. Administração municipal destacou que a Sema continuará acompanhando o caso.
Protesto
O caso despertou revolta em dezenas de pessoas, que se organizaram em grupos para fazer um protesto em frente ao condomínio. Os manifestantes exibiam cartazes e faixas com palavras de ordem como: “Crueldade contra animais: leis mais rígidas e cadeia!”, “Maus-tratos é crime” e “Menos falação e mais ação”.
A comerciante Vânia Regina de Souza, 38 anos, mora em Piedade e veio até Sorocaba para participar da ação. “Eu sou protetora dos animais na cidade onde eu moro e vim aqui para dar uma força. Todos aqui lutam pela mesma causa: a animal. As pessoas têm que saber que nesse lugar que elas moram, também mora uma criminosa em potencial. Queremos justiça”, disse.
O estudante João Vitor Genuíno, 18, foi ao protesto com a tia, Cícera Lopes, 52. Indignados, eles resolveram cobrar providências do Poder Público diante da situação. “O problema é que a mulher não quer entregar os animais. Já foram lá [na casa] para tentar resolver isso, mas ela não quer. É um absurdo!”.
ONGs acompanham caso
Jussara Fernandes, integrante do Grupo de Amparo ao Melhor Amigo do Homem (Gamah), e uma representante do Lar Francisco foram acionadas ao local. Jussara disse ter conversado com a tutora e o marido dela. “Ela me disse que estava educando a cachorra, da mesma forma que ela fez com todos os seus outros animais. E ela têm outros três”, afirmou. Moradores confirmam a informação sobre essa declaração. Já o homem teria alegado não saber dos maus-tratos.
Segundo a ativista, a mulher estava alterada e xingou os membros das ONGs, bem como os vizinhos. Jussara disse ter tentado resgatar a cadela, mas o casal não teria permitido. “Eles falaram que ela não seria tratada da mesma forma numa ONG, e o marido dela falou que não a entregaria porque eles amam a cachorra”.
Vanderlei Martinez, presidente da Associação Protetora dos Animais de Sorocaba (Spaso), também se manifestou sobre o caso. Ele destacou que a entidade é “totalmente favorável” às medidas administrativas policiais e judiciais a serem realizadas diante do caso. “Somos contra as justificativas banais que essa tutora deu até o momento. O vídeo não há o que esclarecer. O vídeo é enfático”, concluiu.
Polícia
De acordo com a representante do Gamah, moradores acionaram a Polícia Militar. Porém, os policiais teriam informado que não podiam levar a mulher à delegacia porque não flagraram as agressões. Igualmente, teriam comunicado não possuírem autorização para entrar na casa e retirar a cadela. “Entendemos que ela tinha que ser conduzida imediatamente para a delegacia, porque a polícia chegou lá logo após a agressão”, disse Jussara. A PM elaborou apenas uma notificação de ocorrência por maus-tratos a animais, a qual o Cruzeiro do Sul teve acesso.
Ela ainda afirma ter acionado a Guarda Civil Municipal (GCM) e o Resgate Patrulha Animal. Contudo, ambos teriam alegado não haver equipes disponíveis para o atendimento. “Fora do horário comercial, após as 17h, eles não atendem. Isso é um problema. Quer dizer, o crime só pode acontecer dentro do horário comercial, senão fica sem a fiscalização adequada. Isso precisa ser revisto pela Prefeitura”. Conforme Jussara, um boletim de ocorrência foi registrado ontem, no 1º Distrito Policial (DP). Depois, o caso ficará sob responsabilidade do 2º DP. O Gamah e o Lar São Francisco vão acompanhar o processo.
Em nota, a Polícia Militar informou que uma equipe foi ao local, ouviu as partes e registrou os fatos por meio de BO. “Tendo em vista o fato de a residência estar fechada, a formalização da notícia do eventual crime foi encaminhada à delegacia responsável pela área, bem como à Polícia Ambiental, visando averiguação dos fatos e demais providências cabíveis”, explicou.
A Secretaria do Meio Ambiente, Proteção e Bem-estar Animal (Sema) afirmou, por meio de nota, ter enviado uma equipe da Seção de Proteção e Bem-Estar Animal para o condomínio ontem. A pasta assegura que serão tomadas “todas as providências necessárias para garantir o bem-estar desses animais, bem como agir acerca da situação de maus-tratos exibida no vídeo em questão.”
OAB recebe denúncia
A Comissão de Proteção Animal da subseção de Sorocaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) recebeu denúncia sobre a agressão. Segundo a coordenadora da comissão e diretora-adjunta da OAB, Juliana Mazzei, o caso foi repassado à Seção de Proteção e Bem-Estar Animal da Prefeitura. Agora, completa ela, caberá ao órgão adotar as medidas necessárias. Além disso, conforme a advogada, também será encaminhado ao 2º Distrito Policial (DP) da cidade, especializado na investigação de crimes contra animais.
Márcio Leme, presidente da OAB Sorocaba, divulgou uma nota sobre o caso. No texto, ele destacou que a 24ª Subseção “lamenta e repudia” o episódio de violência contra animais. “A OAB Sorocaba, por meio de sua Comissão de Defesa Animal, informa que acompanhará o caso e seus desdobramentos para que a agressora seja efetivamente punida”, pontuou.
Leis
Em Sorocaba, maltratar animais domésticos é crime. A lei municipal 9.551, de 4 de maio de 2011, prevê penas para quem praticar tais atos. Em situações de lesões, o responsável é multado em R$ 3 mil, por animal. Se a agressão resultar em morte, a multa é de R$ 4 mil. Em casos sem incidência de lesões ou morte, o valor é de R$ 1 mil. Já quem abandona um animal pode ser multado em R$ 3 mil.
Tramita na Câmara de Vereadores um projeto de lei, de autoria do Executivo, que eleva para R$ 50 mil o valor da multa, se houver morte. Já em casos de violência que deixam lesões nos animais, a autuação pode chegar a R$ 40 mil. Além disso, um PL, do vereador Fábio Simoa (Republicanos), obriga condomínios residenciais e comerciais a denunciar episódios de maus-tratos a animais às autoridades competentes. A proposta também está em discussão. No Estado de São Paulo, essa determinação já existe, por meio da lei 17.477, de 16 de dezembro de 2021.
No Brasil, a lei federal 14.064, 29 de setembro de 2020, endureceu as penas para esse crime. Agora, a penalidade para agressão de cão ou gato é de três meses a um ano de prisão e multa. Se houver morte, a punição aumenta para dois a cinco anos de detenção, multa e proibição da guarda. (Colaborou Wilma Antunes)
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