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Sorocaba

TV TEM denuncia relação de família de servidor da Urbes em contratos de serviços da Prefeitura

Apuração dos jornalistas da emissora durou 6 meses e mostra conflito de interesses na execução de obras públicas

21 de Setembro de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Entre as obras contratadas pela Prefeitura junto a empresas da família Hial -- segundo apuração da TV TEM -- está a pintura de viadutos da cidade
Entre as obras contratadas pela Prefeitura junto a empresas da família Hial -- segundo apuração da TV TEM -- está a pintura de viadutos da cidade (Crédito: SECOM SOROCABA)

A TV TEM de Sorocaba -- afiliada da Rede Globo -- exibiu ontem à noite reportagem com cerca de 8 minutos no seu telejornal TEM Notícias 2ª edição, com uma denúncia obtida com exclusividade pela emissora, que mostrou as relações de uma família com o poder público de Sorocaba. A apuração dos jornalistas da emissora durou 6 meses.

A reportagem da TV TEM teve acesso a diversos contratos milionários, a partir de 2021, envolvendo empresas de uma instituição ligada a família de um servidor público municipal.

A história completa está disponível também no GloboPlay.

Abaixo, confira a íntegra da reportagem sobre assunto publicada pelo portal G1 Sorocaba e Jundiaí logo após a exibição da matéria na TEM Notícias 2ª edição.

Órgãos municipais de Sorocaba, incluindo a própria Prefeitura, mantêm contratos com empresas ligadas a família de um dos diretores da Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba (Urbes), empresa pública municipal responsável pelo trânsito e transporte. Somados, os contratos executados e em execução chegam a R$ 32 milhões.

Janeiro de 2021 é o começo dessa ligação extensa entre a família Hial e a Prefeitura de Sorocaba. Foi quando Jorge Domingos Hial, conhecido como Tupã, foi nomeado coordenador especial da Urbes. Seis meses depois, ele passou para o cargo de diretor de trânsito.

Em 2 anos e 8 meses, as empresas e entidades ligadas a família Hial somaram 17 contratos diretos com a administração municipal. Os valores recebidos pelas empresas até agora, direta e indiretamente, passam de R$ 12 milhões.

A Prefeitura informa que todos os processos e atos do Poder Público seguem rigorosamente os trâmites administrativos e legais. A defesa da família Hial também nega qualquer irregularidade.

Uma das primeiras obras do então novo diretor da Urbes foi o serviço de manutenção nos terminais São Paulo e Santo Antônio. A obra de quase R$ 100 mil foi feita pela empresa Brita Forte, cadastrada na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) como Novos Negócios Comércio e Transporte Eireli. A proprietária da empresa é Vera Conte Hial, esposa de Tupã.

Segundo o Portal de Transparência Municipal do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), a Urbes dispensou a licitação para contratar a empresa. A entidade identificou conflito de interesses na contratação e fala em ilegalidade em contratos.

A Brita Forte também fez a pintura de viadutos em Sorocaba, outro serviço feito sem licitação. O valor ficou próximo de R$ 100 mil.

Nessa obra, o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos), e o presidente da Urbes, Sérgio Barreto, chegaram a visitar os trabalhos. A nova pintura também ganhou destaque no Whatsapp de funcionários da empresa pública.

A diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, que faz parte da entidade que há mais de 20 anos combate a corrupção e analisa licitações em todo Brasil, afirma que há “conflito de interesses”.

“O primeiro ponto e o mais grave é o claro conflito de interesses, da contratação da empresa Brita Forte pela Urbes, porque é o marido contratando a empresa de sua esposa. Isso é imoral e é vedado pelos princípios da administração pública, isso não poderia ter acontecido, é ilegal. É um emaranhado de relações”, afirmou.

Não é só a Urbes

A relação entre a família Hial e a Prefeitura de Sorocaba cresceu em ritmo acelerado na gestão do prefeito Manga. Em dois anos e meio de governo, a Brita Forte fechou seis contratos com a Prefeitura. A maioria após vencer licitações.

Entre os serviços estão a pintura do estádio Walter Ribeiro, o CIC, fornecimento de material, manutenção de estradas e pintura de grades. O valor das obras passa de R$ 6,5 milhões.

Além disso, duas obras foram contratadas sem licitação: a reforma de Unidades Básicas de Saúde (UBS) e a cobertura da UBS da Vila Angélica, reparo que deve começar ainda no mês de setembro.

Prestação de serviços na festa julina -- administrada pela Afejubes -- também contou com a participação da família Hial, mostraram os jornalistas da TV TEM - SECOM SOROCABA
Prestação de serviços na festa julina -- administrada pela Afejubes -- também contou com a participação da família Hial, mostraram os jornalistas da TV TEM (crédito: SECOM SOROCABA)

Na justificativa da dispensa de licitação, o poder público alega que as obras tiveram como finalidade a restauração de lugares que foram vandalizados.

“Mais uma manutenção predial, como foi colocado. Nesta contratação, especificamente, você tem uma previsibilidade, ao contrário do que a Prefeitura alega. É esperado que um prédio sofra degradação ao longo do tempo, pelo uso, pelo tempo, enfim. Então, você já tem que ter uma programação de contratações que permitam que essa manutenção seja feita de forma regular”, comentou Atoji.

“O problema da contratação emergencial é que ela abre muitas portas para você ter um preço não necessariamente melhor para administração pública, não necessariamente o mais econômico ou o melhor custo benefício. Se você faz uma licitação em regime de urgência, sem uma necessidade de fato de urgência, você coloca em risco a qualidade do gasto público, gasta mais que o necessário de fato”, completou.

Outra empresa, mesma família

Além da Brita Forte, outra empresa que aparece nos negócios com a Prefeitura é a Fun Ville, que também está no nome da esposa de Tupã, Vera Hial. Conforme apurado pela reportagem, cerca de R$ 80 mil, arrecadados como doação para a realização da festa de Natal de 2022, organizada pela prefeitura, foram depositados na conta da empresa privada.

No mesmo período, a Brita Forte também recebeu R$ 40 mil em doações para outra finalidade, a pintura do prédio do Fórum Velho de Sorocaba.

Assistência social

A relação, que até então tinha somente empresas que pertencem a família Hial, também envolveu parcerias com uma entidade que ganhou contratos milionários para a prestação de serviços na área da Educação e Saúde de Sorocaba.

Camila Pagliato Hial é a presidente da Associação Antônio José Guarda (AJG), e também esposa de Jorge Hial Neto, filho do Tupã, o diretor da Urbes.

Entre 2021 e 2023, a AJG foi a entidade que mais fechou contratos com a Prefeitura, passando a administrar cinco creches com gestão compartilhada com o município e a ser responsável pela contratação de cuidadores da educação especial de toda a rede municipal.

Os contratos para prestação de serviços durante um ano passam de R$ 8 milhões. Neste caso, a AJG não teve concorrente em dois dos três processos de escolha de entidades feitos pela Prefeitura.

Mas nem sempre a relação envolveu dinheiro público. Nas redes sociais, em julho de 2023, o filho de Tupã foi parabenizado pela Festa Julina de Sorocaba, feita no Paço Municipal.

O evento foi realizado pela Afejubes, única a participar do processo de licitação, que contratou a empresa Tulum Entretenimentos para organizar a festa. A Tulum não é da família Hial, mas a empresa está registrada na Jucesp no mesmo endereço da Fun Ville e da Brita Forte, que pertencem à família.

Cresceu 7x em 3 anos

A Brita Forte começou a funcionar no começo de 2020 e, em três anos, o capital social da empresa cresceu sete vezes, partindo de R$ 150 mil para mais de R$ 1 milhão.

Em março de 2023, a empresa, segundo a Jucesp, foi vendida e não pertence mais a família Hial. O valor pago pela nova proprietária, Fabiana de Oliveira, foi de R$ 1,2 milhão. O endereço da nova dona da empresa é uma viela da Vila Carol, na zona norte de Sorocaba.

Nas redes sociais, Fabiana diz que é produtora artística e do setor financeiro da empresa Novos Negócios, a Brita Forte. Ela faz parte da diretoria da AJG, a entidade ligada a família.

“E essa parte da venda ou da troca de propriedade da Brita Forte é meio suspeita. Têm indícios de coisa suspeita. Justo que a pessoa que adquiriu a empresa não aparenta ter condições suficientes para tal e isso enseja uma investigação, se não é forma de laranja ou uma forma de legalizar ‘uma relação com o poder público’, que não já era muito adequada”, disse Marina Atoji, da Transparência Brasil.

Em 2 anos e 8 meses, as empresas e entidades ligadas a família Hial somaram 17 contratos diretos com a Prefeitura de Sorocaba. Os valores recebidos pelas empresas até agora, direta e indiretamente, passam de R$ 12 milhões.

“Esse cenário que está desenhado e que está posto é bastante fora do comum. Muito pouco usual na administração pública e levanta suspeita, levanta questões. Sorocaba não é uma cidade pequena. É razoável supor que há outras pessoas, outras empresas que não necessariamente tenham ligação com essa família que possam prestar o serviço para os quais essas empresas foram contratadas, por exemplo. Numa cidade não tão pequena você ter essa coincidência, essa concentração de coisas relacionadas a uma mesma família, chama muita atenção e deve ser olhada com muito cuidado”, sugeriu Marina Atoji.

O que dizem os citados

A defesa da família Hial diz que “empresas pertencentes à família Hial, muitos anos antes da atual gestão, possuem e possuíram diversos contratos com a administração pública, com atuação consolidada no Estado de São Paulo e a execução de seus contratos sempre transcorreu dentro da estrita observância à legislação vigente, com eficiência e qualidade, o que pode ser constatado através do Portal da Transparência de outros municípios”.

“Com relação aos questionamentos, esclarecemos que a família Hial não possui cotas da empresa Brita Forte desde 2022”, completou.

Já a Prefeitura de Sorocaba diz que, “às licitações, aos chamamentos públicos, contratos administrativos, convênios e outros instrumentos congêneres são aplicadas as regras das Leis Federais. Em relação às doações, a disciplina é da legislação civil e do Decreto Municipal 27.615/2023 [que regulamenta o processo de licitação]”.

“A Administração prima para que seus ritos e procedimentos obedeçam todos aos princípios da legalidade, da transparência, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, conforme determina o art. 37 da Constituição Federal”, completou a Prefeitura.

A AJG, sem explicar ou citar sobre os contratos, informou que “é uma entidade sem fins lucrativos com 19 anos de atuação no município de Sorocaba e região do Estado de São Paulo, com a missão de empoderar, capacitar e transformar a vida de pessoas em situação de vulnerabilidade social, cultural, saúde e educacional. Regida por um estatuto social devidamente registrado em cartório, onde seus membros são eleitos através de Assembleia Geral por tempo determinado, mantendo seu compromisso com ética e a transparência em todos seus projetos. Hoje, a instituição mantém atendimento a pessoas em vulnerabilidade social com oficinas e cursos de geração de renda e outras atividades integralmente gratuitas (judô, dança e cursos profissionalizantes), atingindo a vida de mais de 3 mil pessoas ano, entre crianças, adolescentes e adultos”.

Em nota, a Afejubes afirmou que foi constituída há mais de 10 anos, “com a intenção de representar as Entidades Beneficentes de Sorocaba para organizar, promover e realizar o evento Festa Julina Beneficente da cidade”.

Diz ainda que, em 2023, “reuniu um grande público de cerca de 200 mil pessoas que prestigiaram a festa ao longo dos dias e uma arrecadação recorde em prol das entidades assistenciais do município”.

Por fim, negou ter relação com Tupã e afirmou que “para a organização do evento, a Afejubes contou com a conjunção de diversos prestadores de serviços, não havendo qualquer contratação com o mencionado neste questionamento”.
Fabiana de Oliveira foi procurada pela reportagem, mas não retornou.

Reprodução

A reportagem acima foi veiculada ontem (21), com exclusividade, pela TV TEM e G1 Sorocaba e Jundiaí. Ela foi produzida por Wilson Gonçalves Jr e Marcel Scinocca, com a colaboração de Diogo Nolasco.

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