Futuro
Pandemia acelerou mudanças na educação
O que isso representa para o futuro?
Dois mil e vinte e os anos que vieram na sequência serão lembrados por um paradoxo insólito: ao mesmo tempo em que houve momentos em que o tempo pareceu passar estranhamente (até dolorosamente) devagar — em especial nas semanas ou nos meses iniciais de quarentena —, também ocorria, de forma silenciosa, uma aceleração sem precedentes de algumas mudanças sociais que até já estavam em curso, mas provavelmente demorariam mais tempo para se consolidar não fosse a pandemia de Covid-19.
Foi a observação desse paradoxo que motivou o professor doutor André Pires, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba (Uniso), em conjunto com as professoras doutoras Helena Sampaio e Ana Maria Carneiro, ambas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a produzir o artigo “De volta ao futuro?”, sobre os principais efeitos da pandemia no Ensino Superior no Brasil e no mundo, publicado num dossiê temático sobre a pandemia da revista Humanidades e Inovação, da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins).
“No Ensino Superior, muitas mudanças ocorreram e muitas rotinas se estabeleceram a partir do fechamento físico dos campi, ainda em março de 2020, a fim de manter o isolamento social conforme recomendação de agências internacionais de saúde”, lembram os autores, no artigo. Em linhas gerais, essas mudanças podem ser agrupadas em quatro categorias. Confira na sequência.
A transição para o ensino remoto
O ensino remoto, seja em suas modalidades síncrona ou assíncrona, já existia antes da pandemia, mas não distribuído uniformemente em todo o mundo. “Em países como a Colômbia, a Alemanha, a Espanha e a Suécia, em torno de 15% do total de estudantes já se encontravam matriculados exclusivamente em ensino remoto no ano letivo anterior à pandemia”, exemplificam os pesquisadores. “Por outro lado, na Bélgica, no Japão, na Eslováquia e na Turquia, a porcentagem de estudantes de Ensino Superior matriculados no ensino remoto era próxima de zero”. Os dados são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em países como os EUA e o Brasil, a quantidade de estudantes matriculados nas modalidades de ensino remoto já crescia consideravelmente antes mesmo da pandemia.
O que talvez tenha mudado mais drasticamente depois dos eventos de 2020 é a percepção em relação ao ensino remoto, especialmente em relação à modalidade EaD. “De 2017 a 2020, o percentual de aceitação do modelo EaD cresceu 28,4% entre aqueles que planejavam fazer um curso presencial, e agora estavam dispostos a migrar para o EaD. Em outros termos, com a pandemia da Covid-19, o percentual de pessoas que intencionam realizar um curso EaD cresceu em quatro meses o que levaria antes três anos para acontecer”, destacam os autores. Os dados são de um relatório de 2020 da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).
Ênfase na permanência estudantil
Em relação à chamada permanência estudantil (que inclui as ações institucionais voltadas a garantir que os estudantes tenham as condições necessárias para continuar estudando, como, por exemplo, quaisquer tipos de apoios pedagógicos, financeiros, psicológicos etc.), os autores ressaltam que a pandemia expôs a extensão do gap digital, ou seja, do grande hiato que existe entre aqueles que têm mais e menos acesso às tecnologias digitais, uma distância que até então não estava tão clara.
Os pesquisadores destacam, no artigo, que a ideia de que todos estão conectados o tempo todo, por meio de equipamentos e serviços adequados, mostrou-se uma falácia, uma vez que a distribuição do acesso às tecnologias digitais foi bastante desigual durante a pandemia de Covid-19. Ainda que essa lacuna digital tenha um impacto mais intenso sobre estudantes de baixa renda, geralmente localizados no sul do mundo, as regiões mais desenvolvidas do globo não passaram incólumes por esse processo: os pesquisadores apontam, por exemplo, que 90% dos estudantes europeus enfrentaram dificuldades relacionadas ao uso de seus computadores pessoais, que 41% tiveram problemas de conexão com a internet e que 37% não tinham um local suficientemente silencioso para acompanhar as aulas online. Os dados também são da OCDE.
O sofrimento psíquico causado pela instabilidade e pelo isolamento também é um fator que não pode ser negligenciado. Nos EUA, de acordo com uma pesquisa realizada entre os meses de maio e julho de 2020 por um consórcio de universidades capitaneado pela Universidade da Califórnia, 40,6% dos estudantes de graduação e 24,6% dos estudantes da pós-graduação declararam ter enfrentado problemas de saúde mental, como ansiedade ou depressão, nesse período.
Do outro lado do Atlântico, uma pesquisa da Comissão Europeia sobre o impacto da Covid-19 nas universidades do continente europeu mostrou que, num universo de 114 universidades participantes, 58% implementaram ações de apoio à saúde mental de suas comunidades internas (não só estudantes, mas também professores e funcionários) — um tipo de apoio que, no caso da Uniso, é oferecido desde 2016, por meio do seu curso de graduação em Psicologia.
Internacionalização: desafios e oportunidades
No que diz respeito ao processo de internacionalização das universidades, os autores dividem as atividades em dois grupos, aquelas realizadas “para fora” e aquelas realizadas “em casa”. Dentro desse primeiro grupo, eles listam a própria mobilidade acadêmica internacional (seja de estudantes ou de professores); a oferta de cursos para além das fronteiras do país em que a IES está localizada; a participação em rankings globais de classificação de instituições, incluindo as estratégias tomadas para garantir uma boa classificação nesses rankings. Já no segundo grupo estão as atividades realizadas internamente, incluindo a adaptação de funcionários e do próprio espaço físico: o treinamento de staff bilíngue, a disponibilização de alojamentos para visitantes internacionais, a oferta de cursos em línguas estrangeiras, as mudanças procedimentais para facilitar o intercâmbio de professores, a adaptação dos currículos para atrair estudantes estrangeiros etc.
Ao mesmo tempo em que a pandemia impediu, em grande parte, a mobilidade acadêmica internacional — prejudicando, como apontam os autores, principalmente os pesquisadores mais jovens, que ainda não têm estabelecidas suas redes pessoais de colaboração internacional —, ela pode ter servido para reduzir as resistências que ainda existiam em relação a eventos online (como congressos, reuniões científicas, bancas de defesa etc.), o que amplifica o leque de possibilidades quando o assunto é cooperação internacional, uma vez que os custos são reduzidos drasticamente.
A emergência das EdTechs
Outro fenômeno que já estava acontecendo antes da pandemia era o surgimento de startups especializadas em soluções tecnológicas para a educação (como, por exemplo, plataformas para cursos digitais e criação de conteúdo). Os autores apontam, de acordo com dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartups) e do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), que, em 2020, o Brasil já possuía 566 empresas desse tipo, as quais recebem o nome de EdTechs. Em relação a 2019, esse número já representava um aumento de mais de 25%, denotando amplo crescimento antes mesmo de a Covid-19 ser sequer cogitada. Esse padrão também foi acelerado pela pandemia.
“A incorporação dessas novas tecnologias pelo Ensino Superior, por se tratar de serviços pagos, pode contribuir para aprofundar ainda mais as assimetrias entre as Instituições de Ensino Superior (IES), ou seja, entre as que conseguem arcar com os custos desses serviços (e de suas versões mais completas) e as que não podem fazê-lo”, alertam os pesquisadores.
Em 2021, a Uniso foi palco de uma importante discussão sobre esse novo cenário de competição entre as EdTechs e as IES, que se deu no âmbito do Fórum dos Executivos Financeiros para Instituições de Ensino Privadas do Brasil (FinancIES). O evento reuniu cerca de 1.800 profissionais de todas as regiões do país, todos envolvidos na área financeira de universidades e outras IES. No fórum, o professor doutor Rogério Augusto Profeta, Reitor da Uniso, defendeu que competição não precisa ser sinônimo de guerra, e que o grande risco de se envolver nessa disputa por preços é ter um impacto direto na própria qualidade do serviço oferecido pelas IES — e, consequentemente, no processo formativo dos estudantes. No caso da Uniso, reiterando essa posição de cooperação (e não de competição), a própria universidade está incubando uma EdTech voltada ao acompanhamento de egressos e ao apoio à jornada de aprendizagem dos estudantes.
Para acessar a cobertura do FinanCIES, assinada por Rafael Filho (Agência FOCS): http://uniso.br/assets/docs/unisociencia/tabloide-ed-18.pdf
Com base no artigo “De volta ao futuro? A pandemia de Covid-19 como catalisadora de mudanças no Ensino Superior”, publicado no periódico Humanidades e Inovação, em 17 de maio de 2022, de autoria dos seguintes pesquisadores: Helena Sampaio, André Pires e Ana Maria Carneiro. Siga o link: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/7268
Texto: Guilherme Profeta
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